Short-Stories do Primavera
Sound Festival
Warpaint, Temples, The War
on Drugs & Moderat
Começo por dizer que foi muito difícil escolher
três ou quatro bandas sobre as quais falar dentro do inacreditável cartaz do Primavera Sound Festival 2014, que terá
lugar a 29, 30 e 31 de Maio em Barcelona.
Decidi, à partida, deixar de lado os nomes mais sonantes como Arcade Fire, Queens of the Stone Age, The
National, Nine Inch Nails and so on, centrando-me nas bandas mais
recentes e que ainda “frescas”, sentem necessidade de vir acrescentar algo de
novo à cena musical; nas bandas que estão na fase do “arriscar” por não terem
nada a perder. Não quero dizer, com isto, que as bandas mais experientes do
festival já não arrisquem ou já não inovem, mas há aqui uma sede diferente. Do
que sobrou, atirei ao ar e saíram estas.
Muitas vezes, quando oiço o terceiro, quarto,
quinto álbum de uma banda, dou por mim a pensar como gostava que todos os
álbuns fossem como o seu primeiro, quando a sua música espelhava a falta receio,
a vontade de arriscar, a necessidade de acrescentar algo de novo e de se
provarem como uma força a ser reconhecida. Deparamo-nos, normalmente, com três
tipos de fenómenos.
No primeiro,
a banda fica conhecida por ter uma certa sonoridade com a qual teve imenso
sucesso e acaba por vir bater na mesma tecla, uma e outra vez, por saber que
essa fórmula resulta, mas perdendo todo o elemento surpresa ou até mesmo
qualquer faceta criativa. No segundo,
tudo o que a banda tinha para dizer ficou dito no primeiro ou segundo álbum, já
não há nada a acrescentar e o que sobra é uma tentativa frustrada de continuar
a falar sem se ter nada para dizer – fenómeno Arctic Monkeys: já sei que vou ferir susceptibilidades, mas o Alex anda mais preocupado em parecer o James Dean do que em fazer boa música e
o resultado é falta de qualidade. Não só perderam o que tinham de melhor: a
bateria – deve ter desaparecido porque deixei de a ouvir – como não existe
réstia de originalidade no AM e mais valia estarem quietos. Acreditem, eu gosto
bastante de Arctic Monkeys, mas isto
no tempo de Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not (2006) e de Favourite
Worst Nightmare (2007), quando podiam não ser génios musicais, mas
ainda acrescentavam algo de novo com a sua música. No terceiro tipo, a banda encontra de facto a sua voz e consegue
continuar a lançar álbuns consistentes, inovadores e cheios de vontade de
arriscar e enveredar por caminhos novos, em alguns casos mesmo ao fim de
décadas – e disto são exemplos muitos dos cabeça de cartaz deste festival. É
nisso que o Primavera se destaca,
tanto em Barcelona como no Porto, assim como o festival Vodafone Paredes de Coura na Praia Fluvial do Tabuão: ambos apostam
constantemente em bandas inovadoras, umas mais conhecidas que outras, não
querendo saber se são mais ou menos comerciais, desde que venham acrescentar algo
ao cartaz, desde que sejam diferentes e criativas.
No caso de Warpaint,
Temples, The War on drugs, Moderat
- bandas nas quais me foco hoje - não vamos tentar prever se vieram mesmo para
ficar ou como serão os próximos álbuns, se vão eventualmente cair na primeira,
segunda ou terceira categoria. Vamos apenas olhar para elas como bandas
criativas que se esforçam por fazer boa música e que chegam cheias de força,
fazendo delas algumas das grandes apostas do Primavera Sound Festival 2014.
Warpaint
As Warpaint
são um quarteto feminino de Los Angeles, Califórnia, que lança o seu primeiro EP,
Exquisite
Corpse, em 2008 e o seu primeiro álbum, The Fool, em 2010. Este
tem grande aclamação crítica, dando imediatamente estatuto à banda pelo seu
rock atmosférico centrado na bateria (inicialmente Shannyn Sossanon e mais tarde Stella
Mozgawa) – destaco Set Your Arms Down - e no baixo (Jenny Lee Lindberg). São também de
destacar os vocais e guitarra (que chegam até nós, ambos, pelas mãos e vozes de
Emily Kokal e Theresa Wayman). As letras deste primeiro álbum centram-se
constantemente no sexo oposto e na sua relação com o mesmo (ou a falta dela) –
tanto Undertow, o primeiro single
do álbum, como Shadows, Composure (onde ficamos logo
hipnotizados pelos back vocals assim
que a música começa) ou Baby (a música mais melódica do
álbum) são exemplos claros disto. Aqui os vocais aliciantes são a linha
condutora, num estilo muito introvertido e tímido. Mas não se iludam, esta não
é uma banda de rapariguinhas tontas e apaixonadas que nos trazem música sem
significado e com o mesmo riff de
guitarra em modo loop durante 20
minutos. Esta é uma banda que nos transporta para uma realidade paralela etérea
e nostálgica, que nos faz sentir bem e confortáveis, tão simples quanto isso.
Dito isto, passaram-se mais de 3 anos até ao
lançamento do segundo álbum, o homónimo Warpaint e a expectativa era muita. O
resultado é, sem dúvida, um álbum consistente e que vem acrescentar, não
repetir. O baixo ganha ainda mais relevância e a atmosfera geral é mais leve,
muitos fazem referência à influência do trip-hop.
Este é um álbum diferente que perde ou ganha, dependendo da perspectiva, mas
que sem dúvida evolui – não há uma agressividade tão grande nas músicas e a
introspecção é ainda maior, o minimalismo ganha peso, assim como os
sintetizadores (esta parece ser uma escolha geral recentemente – criatividade
ou moda?). Destaco o single Love is to Die, que foi bastante
aclamado, e Hi, ambas músicas que incorporam a essência do álbum. Já um
pouco fora do ambiente criado em Warpaint, aparece Disco//Very,
que destaco por dar complexidade ao álbum e apimentar um bocado as coisas.
Esta é uma banda relativamente recente e que ainda
só possui dois álbuns no seu repertório, mas que já nos trouxe várias coisas
diferentes e interessantes, estou curiosa em que apostarão a seguir. Uma coisa
é certa, boa aposta para o cartaz.
Warpaint - Disco//Very
Temples
Cada vez que oiço Temples só consigo sorrir e sentir-me bem-disposta. A banda
britânica de rock psicadélico, formada em 2012, é frequentemente associada aos
australianos Tame Impala e aos,
também australianos, Pond. E tenho
que fazer aqui uma pequena nota e perguntar, o que se passa com estas pessoas e
o cabelo encaracolado gigante? É o vocalista dos Temples, é o guitarrista/baixista dos Pond, é o vocalista dos Wolfmother,
será que fazem parte de uma irmandade secreta? Também posso?
Anyway, em 2013 os Temples lançam o seu álbum de estreia Sun
Structures com críticas bastante positivas conseguindo, até, os elogios
de Johnny Marr e Noel Gallagher (o segundo
surpreendeu-me bastante, já que os únicos elogios que normalmente faz são à sua
pessoa e ao facto dos Oasis serem,
segundo defende, a melhor banda desde os Beatles).
Mas voltanto aos Temples, tanto a
banda em si, como as suas músicas, têm uma energia muito positiva e todo o
álbum é uma celebração da vida e do espírito. A música Ankh remete-nos para o
símbolo egípcio alusivo à vida eterna e na primeira música do álbum, Shelter
Song, James Bagshaw (vocais
e guitarra) canta-nos “Take me away to
the Twilight Zone”, para que estejamos cientes do que nos vamos meter ao
ouvir o resto do álbum.
Os ritmos psicadélicos e dançáveis estão presentes
em todo o álbum e a presença da bateria e do teclado são óbvios, assim como dos
sintetizadores (mais uma vez). Destaco a Keep in the Dark, uma das pérolas do
álbum, assim como a Colours to Life.
Há no álbum uma homenagem aos anos 60 e aos tempos
do Woodstock que merece ir sendo
relembrado não só por quem lá esteve, mas pelas bandas que vão aparecendo e é
nesse sentido que, me parece, aparecem músicas como a Test of Time.
Todas estas novas bandas – Temples, Tame Impala, Pond – têm relevância na cena musical
actual e são importantes pois vêm revitalizar e reforçar o género do rock psicadélico
que não só traz alegria à nossa vida como também, imagino, aumenta a venda de
ácidos.
Temples - Keep in the Dark
The War on
Drugs
The War on
Drugs é
uma banda americana de indie rock, com
fortes influências de folk, formada em
2005 e que tem já sob a sua tutela dois álbuns Wagonwheel Blues (2008) e
Slave
Ambient (2011); o terceiro, Lost in the Dream, deverá ser
lançado a 18 de Março deste ano. A banda foi formada por dois fãs de Bob Dylan - Adam Granduciel e Kurt Vile
(que entretanto deixou a banda) - e essa influência está bem presente em ambos
os álbuns.
Como não podia deixar de ser numa banda inspirada
por Dylan, estão presentes as
guitarras tanto acústicas como eléctricas, o teclado e a harmónica. Até a voz
de Granduciel (vocalista da banda)
nos remete para a voz e para o tom de Dylan,
mas em jeito de homenagem, não te imitação – as músicas da banda assentam numa
base muito própria e indiscutível. Destaco aqui a música Brothers, do segundo
álbum da banda, onde se compreende bem o que acabei de apontar.
Ambos os álbuns nos
fazem sentir como se estivéssemos numa constante “road-trip” com as janelas do carro abertas e o sol e o vento a
baterem-nos na cara, fazendo-nos, ao mesmo tempo, pensar em temas nos quais não
pensaríamos normalmente (mais uma vez, uma característica também presente no
estilo de música de Dylan) – “And your god is only a catapult waiting for
the right time to let you go / Into the unknown / Just to watch you hold your
breath / Yeah and surrender your fortress / And your thoughts will tumble like
rocks do / Over the valleys of factory oceans”, Arms Like Boulders.
Há em The War on Drugs uma honestidade que não
existe noutras bandas, pelo elemento do “singer
songwriter” e do interesse puro pela música e pelas letras, sem grandes
floreados nem distorções electrónicas.
O seu objectivo não são as massas ou a comercialização, mas sim a defesa das
suas ideias, tão bem demarcadas nas suas letras – “they’d arranged for the bitter man to take them away / fell in line
with the racketeers / from head to toe”, Comin’ Through.
Do novo álbum já
temos o primeiro single, Red
Eyes, onde somos imediatamente confrontados com tudo o que a banda
representa: indie rock, folk, road-trip, guitarras, honestidade e ideias fortes. Venha Março e
venha o álbum.
The War on Drugs - Red Eyes
Moderat
Tenho que admitir que os Moderat
não deviam estar aqui, porque de “fresco” não têm muito, são músicos bastante
experientes e é um projecto que existe desde 2002. MAS, não podia não ter Moderat na minha lista e para além
disso, o primeiro álbum só foi lançado em 2009 e isso conta como recente...?
Os Moderat, mais do que uma banda, são uma
colaboração - alemã -, que começou em Berlim, entre o Sascha Ring (mais conhecido como Apparat) e o Gernot Bronsert
e o Sebastian Szary (mais conhecidos
como Modeselektor). Daí o nome, Modeselektor + Apparat = Moderat. E
deixem-me que vos diga, os alemães sabem o que andam a fazer e são bastante
criativos.
Em todos estes
projectos o género é o electrónico e o uso de sintetizadores é levado ao
extremo, mas existem diferenças. O Apparat,
como projecto a solo, está mais virado para o ambient e é muito mais melódico; segundo o mesmo, cada vez está
mais “interessado em criar sons e não batidas”. Já os Modeselektor, têm um som muito mais agressivo e virado para o
techno, onde as batidas são mesmo o essencial. Outra diferença fulcral é que
o Apparat usa, normalmente, voz; os Modeselektor não.
Estes são três indivíduos
com bastante talento e criatividade, com mérito próprio tanto individualmente
como em grupo. No entanto, na minha opinião, dos três projectos, o melhor é
mesmo Moderat, pois existe um equilíbrio
na sonoridade que só consegue ser alcançado pelos três. Para além disso, vejo e
oiço nos álbuns de Moderat, o
primeiro homónimo, de 2009, e o segundo “II”, de 2013, uma mensagem muito
mais nítida do que nos projectos individuais. Disso são claros exemplos “Rusty
Nails”, do primeiro e “Let in the Light” e “Damage
Done” do segundo. E para finalizar, tenho que destacar a “Versions”,
por ser um marco essencial do repertório dos Moderat.
São músicas que
mexem com os nossos sentimentos e que despertam em nós as mais íntimas certezas.
Este é um dos meus projectos preferidos e aguardo ansiosamente qualquer novo EP
ou álbum e, sem dúvida, aguardo ansiosamente o concerto dia 29 de Maio.
Moderat - Versions
Isto é só a ponta do iceberg, podia continuar indefinidamente pois, para além destas,
existem dezenas de bandas para as quais deveríamos olhar dentro do grande
cartaz do Primavera Sound. Temos no
cartaz um pouco de tudo – géneros de música diferentes, amplitudes diferentes,
níveis diferentes de experiência, há de tudo um pouco. Aquilo que têm em comum?
Qualidade, criatividade, sede pela inovação e amor pela música, tanto entre as
bandas como entre o público. Este é um grande festival, que fez grandes apostas
em grandes bandas.
Belo post. Fiquei a conhecer Temples e The War On Drugs e gostei bastante!
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