segunda-feira, 31 de março de 2014

[Música] Blood Red Shoes (2014)


Blood Red Shoes (2014) - Metade elogio à banda, Metade crítica ao novo álbum



                Descobri os Blood Red Shoes cedo, assim que eles lançaram o seu álbum de estreia, Box of Secrets, em 2008 e fiquei estupefacta. Eu tinha 17 anos e andava a procurar novas bandas de rock alternativo, quando descubro uma banda cheia de som e agressividade com apenas dois membros que, pela sua abordagem à música, só podiam ser britânicos. Faziam-me lembrar duos como os White Stripes, com uma diferença significativa. Para mim a bateria é essencial em qualquer género musical e algo que sempre me desiludiu nos White Stripes foi a genialidade do Jack White aleada à fraca habilidade rítmica da sua ex-mulher (que tanto insistem em dizer que é irmã) Meg White. Nos BRS há, sem dúvida, um equilíbrio muito maior entre os dois membros e o contributo dos dois é essencial.
                Sempre gostei deles porque vejo ali uma entrega total à música, são das poucas bandas que conheço do género que não associo imediatamente a drogas e álcool – tenho a certeza que elas andam lá, mas não é esse o elemento que se destaca.
                As suas músicas remetem-nos para uma sonoridade algo punk-rock e garage rock associada aos anos 60 e 70, e revitalizada nos anos 90 e início do século. ADHD, do seu primeiro álbum, é ainda hoje uma das minhas músicas preferidas e resume tudo o que os BRS representam: rock puro, cheio de riffs tão bem defendidos pela guitarra de Laura-Mary Carter (que aparece sempre nos concertos com uma blusa dos Led Zeppelin, rapariga inteligente) e uma bateria agressiva e completamente ‘unapologetic’ pelas mãos de Steven Ansell. Há ali um constante ‘Estás a ouvir-me? Eu estou aqui.’ impossível de ignorar, muito menos quando os vemos ao vivo, onde a energia atinge o expoente da loucura, como diria o Manel Cruz. Vi-os em 2010, no Santiago Alquimista e admito que é um dos melhores palcos para os ver. Eles têm talento para palcos maiores, sem dúvida, e potência suficiente para se defenderem bem contra um público de dezenas de milhares. Mas há algo na energia de uma sala como a do Santiago Alquimista que é difícil de reproduzir noutros locais.

Blood Red Shoes - ADHD ao vivo, Santiago Alquimista, 2010

                Mas foquemo-nos então no novo álbum, o homónimo “Blood Red Shoes”, lançado no início do mês. Este é um álbum complexo por estar claramente dividido em duas partes – tem 12 faixas e está ‘partido’ exactamente ao meio. Quando o comecei a ouvir entrei em êxtase pois as primeiras 6 faixas remetem-nos para o melhor de BRS. Os tais riffs de guitarra, a distorção, os beats de bateria que, quer queiramos ou não, puxam por nós. Existe ali uma clara influência do tal garage rock e são músicas como “Everything All At Once”, "An Animal" e “The Perfect Mess” (as duas últimas, os dois singles do álbum) que nos fazem comentar o facto de não existir nenhuma banda exactamente como os BRS. É bom e é refrescante o facto de termos aqui um rock mais puro e sem tanta influência de sintetizadores e 97 programas de edição. O que sobra é puro e tem carisma, tem intenção: voltar às origens, voltar ao rock. Esta é uma primeira parte cheia de energia e marca uma posição.

                                                    Blood Red Shoes -The Perfect Mess


                É também nesta primeira parte do álbum que eles colocam uma música que nos faz mudar de ritmo e meter os travões. “Far Away” é mais melódica e a letra ganha aqui um impacto que não sentimos tanto nas músicas que acima referi, por estarmos demasiado distraídos pela genialidade dos riffs e da bateria. Esta é uma faixa importante no álbum pois é um exemplo claro que uma música pode ser mais melódica e atractiva comercialmente sem, no entanto, cair nos ritmos e refrões demasiado repetitivos. É mais comercial, sim, mas continua relevante e inovadora.

                E para mim, o álbum podia terminar aqui, ficava curto mas bom. É sempre mau quando metade do álbum não tem grande qualidade, mas quando é a segunda metade é ainda pior, pois é suposto haver uma evolução, consistência no alinhamento e um clímax mais para o final, o que aqui definitivamente não acontece.
                Toda a pujança e agressividade inicial acabam por se perder algures entre as últimas 6 faixas. Os ritmos tornam-se cada vez mais repetitivos, simples e afáveis, como se a banda tivesse ficado com medo de alguma coisa. Acho que para quem ouve o álbum, o sentimento geral é de confusão.
                No entanto, “Speech Coma” ainda tem réstias da primeira parte do álbum e as qualidades do costume andam por lá. Vale a pena ouvir. Já “Cigarettes in The Dark” e “Tightwire”, que encerram o álbum, para mim são pura e simplesmente de ignorar. Não quero ser demasiado dramática, e aconselho vivamente que oiçam o álbum na sua totalidade e que cheguem às vossas próprias conclusões. Mas eu já o ouvi – todo – seis ou sete vezes e a minha opinião ainda é a inicial.  

Blood Red Shoes - Speech Coma


                Dito isto, esta é uma excelente banda e tem, sem dúvida, um lugar muito próprio na cena musical. Pode não nos tocar a alma como Pink Floyd faria, mas transmite-nos energia e irreverência e é uma semente do rock e da direcção em que devíamos seguir. É uma lufada de ar fresco cheia de energia e intenção, que nos lembra que, muitas vezes, precisamos de mais agressividade e fogo nas nossas vidas.

6.5/10

domingo, 2 de março de 2014

[Filme] Collateral (2004)



Collateral é um dos filmes mais cativantes do novo milénio. Michael Mann, o realizador da "enorme" película Heat - Cidade Sob Pressão (1995), voltou a deixar-me de queixo caído.

Max (Jamie Foxx) é um taxista trabalhador e solitário que está habituado ao ambiente nocturno de Los Angeles. Contudo a meio de uma noite aparentemente calma, o destino de Max cruza-se com Vincent (Tom Cruise), um assassino profissional que tem de completar uma série de homicídios num determinado tempo. Envolvido numa situação de sequestro, Max é obrigado a conduzir por L.A enquanto Vincent vai eliminado os alvos descritos num contrato. 

Com uma premissa relativamente simples, o filme torna-se numa reflexão filosófica sobre o acto de matar. Jamie Foxx (no papel de Max) representa o cidadão comum envolvido numa situação de terror/emoções fortes que tem de agir logicamente num curto espaço de tempo. Não há muito tempo para pensar nestas situações. Com medo de morrer a qualquer instante, Max limita-se a conduzir enquanto vai pensando numa forma de fugir. 

Contudo, é extremamente interessante e curiosa a forma como Vincent "obriga" o taxista a conduzi-lo pela noite. Este assassino não é o típico hitman que estamos habituados a encontrar no cinema. É muito mais que isso. À medida que o filme avança, discutem-se questões morais sobre a vida e a morte com a utilização de metáforas e passagens poéticas. Metade das perguntas não têm uma resposta certa mas permitem que Max aprenda a lei da sobrevivência mesmo que isso implique sair da zona de conforto. 

Uma cena do filme utilizada para descrever Vincent


Vincent (Tom Cruise) é extremamente paradoxal: Mata sem pensar duas vezes mas possui determinadas regras/condutas que o tornam num personagem brilhante e interessante. Quem diria que este actor poderia efectuar na perfeição o papel de vilão? A construção psicológica e o estilo da personagem - cabelo grisalho, fato de negócios, atitude calma - aliados à actuação de Tom Cruise tornam Vincent num dos anti-heróis mais intrigantes dentro deste género. Fiquei completamente rendido. 

Como a maioria do filme se passa durante a noite, o realizador aproveita a oportunidade para explorar a beleza do ambiente nocturno de Los Angeles. Os planos magníficos da cidade dos Anjos são acompanhados por uma banda sonora de luxo que mistura soul, jazz e música eletrónica. Sublime.

O diálogo inteligente, a grande actuação de Tom Cruise como um sociopata, o enredo cativante que intercala diversas histórias paralelas, tornam Collateral noutra grande experiência cinematográfica de Michael Mann.

9/10