Guardiões da Galáxia, a aventura espacial que continua a phase 2 do Universo Cinemático da Marvel, apresenta-nos um leque de personagens carismáticos e uma dose de humor genuína durante 121 minutos.
Vinte e seis anos depois de ter sido raptado por uma elite de saqueadores extra-terrestres, Peter Quill torna-se o alvo principal de Ronan – uma entidade que pretende dizimar a civilização Xandar – depois de roubar um artefacto misterioso. Por força do destino, Quill acaba por se cruzar com quatro figuras: Rocket, um guaxinim geneticamente modificado, Groot, um ser semelhante a uma árvore, a assassina profissional Gamora e o vingativo Drax, o Destruidor.
Quando Guardiões da Galáxia foi anunciado, muita gente franziu o nariz. Adaptar a história de Peter Quill para o grande ecrã era um risco enorme porque não é um herói tão conhecido como Capitão América ou Thor. Meses depois, percebemos como é que a Marvel conseguiu tornar estes personagens desconhecidos num dos melhores blockbusters dos últimos anos.
Num mercado saturado de filmes sobre super-heróis, James Gunn decidiu optar por um estilo diferente do que estamos habituados. O tom sério e dramático introduzido por Nolan na trilogia Batman e que tem sido ponto de referência para adaptações de banda desenhada para o cinema, acaba por dar lugar a um festival de entretenimento que mistura três estilos distintos – ficção científica, aventura e comédia – que aproveita ao máximo o potencial do set em que está inserido. É uma aposta arriscada mas que acaba por tornar Guardiões da Galáxia num dos filmes mais genuínos da Marvel até à data. (...)
Diários de Uma Adolescente - Primavera Sound Festival Vol. 1
Começo
por sublinhar que o Primavera Sound
Festival em Barcelona não é um simples festival de música, mas uma
experiência que, sozinha, mudará certamente a vossa vida. Todas as nossas
experiências ganham uma dimensão diferente como consequência do peso que lhe
damos, como é óbvio. E a forma como encaramos o nosso dia-a-dia influencia tudo
pelo que passamos e até mesmo o tipo de pessoas em que nos tornamos. Uma tese
que defendo e sempre defendi prende-se, por um lado, à importância da música
nas nossas vidas e, por outro, à irrelevância da nossa capacidade de decorar
informação inútil durante uma ou duas semanas, para termos seja que nota for,
num exame qualquer do 11º ano.
Li
algures: ‘we learned more from a three
minute record than we ever learned in school’ e embora isso seja claramente
um exagero, tem algo que se lhe diga. Neste momento, existem 196 países no
mundo, demasiados territórios desconhecidos e mais de sete biliões de pessoas –
como é que podemos, algum dia, estar satisfeitos com o conhecimento que temos;
como é que podemos, algum dia, parar de procurar, de descobrir novas coisas?
Existem tantos sítios para ver, tantas pessoas para conhecer, tantas novas
aventuras para experienciar. O segredo do crescimento pessoal está nas ligações
e essas só acontecem se sairmos da nossa zona de conforto e se partirmos à
descoberta. Mas nada disso está directamente ligado à nota do exame ou até mesmo à licenciatura que acabámos por fazer, por um motivo ou por outro. Tudo isso se prende com o que fizemos, APESAR da nota que tivemos ou do curso que frequentámos.
Foi
com este espírito que comprei o passe para o Primavera Sound, mesmo sabendo que não tinha companhia e que iria
sozinha. Não sou de grandes planeamentos e, dito isto, com o hostel marcado apenas uma semana antes,
parto para Barcelona com duas linhas de apontamentos sobre que linha de metro
apanhar para chegar ao recinto do festival, e pouco mais. Já no aeroporto lá
vou ver a morada do hostel e apanho o
autocarro. Perco-me no metro, arranho no espanhol para pedir indicações e mal
ou bem lá chego ao sítio certo, onde são todos muito simpáticos e me dão todas
as indicações que preciso – e que não preciso – sobre Barcelona e sobre o Primavera.
Vou
cedo para o recinto e nos primeiros cinco minutos conheço dois ingleses de Manchester
que acabam por passar comigo grande parte dos quatro dias que se seguem – achei
irónico como vou de Inglaterra para Espanha conhecer ingleses, mas este são
dois ingleses muito peculiares.
O
primeiro dia é só warm-up e tem
apenas um palco, o que significa que temos três horas para ‘matar’ com uma
garrafa de vodka e conversas sobre o Hendrix
e o Bukowski – pseudo alert. Perto das 19h lá vamos para o melhor palco do recinto
– o ATP – ver Temples à chuva. Pouco me lembro deste concerto, mas sei que gostei
e que os australianos, apesar de frescos, estavam cheios de energia e preparados
para abrir o grande Primavera.
Também sei que quando o concerto acabou tinha todos os meus pertences – roupa,
sapatos, mochila, livro, mp3, telemóvel, carteira – completamente encharcados,
como aliás ficariam nas próximas 48h.
Sendo
o primeiro dia, grande parte dos concertos aconteciam espalhados pela cidade em
diversas salas de espectáculo – sendo esse o caso de The Brian Jonestown Massacre na Sala Apolo, que estava fora de questão perder. Apanhámos o metro,
perdemo-nos, saímos na estação errada, andámos meia hora a pé, encontrámos
finalmente o teatro e o que nos esperava era uma fila enorme de pessoas que
pareciam tão entusiasmadas como nós para ver o concerto, pelo que tínhamos
concorrência pesada para a luta pelos poucos lugares dentro da sala. Esperámos
à chuva durante cerca de mais trinta minutos, o que se provou frutífero, já que
não só conseguimos entrar mas, surpreendentemente, chegar mesmo à primeira
fila. Este foi um dos melhores concertos que assisti no Primavera e a atmosfera era, apenas, de amor. Recomendo esta banda
inspirada tanto pelo guitarrista dos Rolling
Stones – daí o nome – como pelo shoegaze,
pelo seu longo historial e, muito, pelo seu último álbum - já deste ano - ‘Revelation’.
Dia 2
Passei parte da manhã do segundo dia do festival –
quinta-feira, dia 29 de Maio – com um secador de cabelo nas mãos a tentar
salvar tanto o meu telemóvel como o meu livro, já que para a mochila e sapatos
não havia esperança alguma.
Encontrei um café onde vendiam comida feita
com alimentos orgânicos e foi onde parei – mais pelo bom aspecto do que pela
promessa do conservative free. Os
portugueses não enganam ninguém e quando a rapariga me perguntou o que queria
comer respondi com um sorriso e com um ‘És
portuguesa, certo?’ – era. E era muito simpática, falou-me um bocadinho
sobre a vida em Barcelona, que parece ser uma cidade que muitos adoram tanto na
perspectiva de turista como mesmo para passar grande parte da vida. É uma
cidade que tem mesmo de tudo um pouco, como Londres tem – música, teatro,
cinema, pintura, arquitectura, cultura de todo o mundo trazida tanto pelos turistas
como pelos próprios imigrantes – com o acrescento do sol e da boa comida.
Planeio os concertos do dia e sigo para o recinto,
onde me espera - o que eu achava ser – o melhor dia do festival, com um line up inacreditável: Follakzoid, POND, Warpaint, Neutral Milk Hotel, Queens of the Stone Age, Arcade Fire, Touché Amoré e Moderat .
O primeiro concerto a que assisti foi, então, o dos Follakzoid onde o baixista chileno me
fascinou. Foi um bom concerto e todos eles se dedicaram ao mesmo, apesar de um
público um pouco fraco, tanto em número como em entusiasmo; no entanto, foi sem
dúvida o baixista que me chamou a atenção. Antes de mais, lembrava-me demasiado
um corvo, e depois estava claramente sob o efeito de ácidos, a sentir a música mais
do que qualquer outra pessoa – à excepção de um senhor inglês com cerca de 50
anos que tinha um copo de whiskey na mão e dançava feliz com a mão no ar
enquanto gritava ‘LET’S GOOOOO!’ a
cada dois minutos. Não foi dos melhores concertos, mas foi um bom início para a
noite que aí vinha.
Ainda tínhamos algum tempo livre antes de POND e acabámos a ver Rodrigo Amarante no palco Ray-Ban (o melhor sítio para estar ao
pôr-do-sol, já que é em forma de anfiteatro e mesmo colado ao mar – lindo). Rodrigo Amarante - guitarrista, baixista,
vocalista e compositor brasileiro - trouxe literalmente a casa abaixo com as
suas músicas. O público estava a delirar com o seu concerto e com a sua
oscilação entre a guitarra e o piano, enquanto cantava músicas com letras
lindas e que fizeram o meu queixo cair no chão várias vezes, enquanto tentava explicar
o seu significado aos rapazes de Manchester, comentando a pena que tinha em que
não percebessem o que ele cantava.
Enquanto o sol caía, partimos para POND – palco Pitchfork - onde os australianos trouxeram a casa abaixo, num
sentido completamente diferente. Foi um concerto cheio de pujança e de riffs alucinantes de guitarra, no seu
estilo tão próprio de rock psicadélico
(e mais uma vez, ácidos.). Nick Allbrook
é uma das pessoas mais peculiares, tanto fisicamente, como pela sua voz ou
comportamento - aparece com a cara pintada de branco e com um ar alucinado,
pronto para nos dar o melhor concerto de sempre. Esteve lá perto. Adorei
honestamente este concerto e o único ponto decepcionante foi mesmo a duração –
apenas 50 minutos de concerto, que nos pareceram 10. Ficámos tão perplexos pela
curta duração que ainda ficámos uns bons cinco minutos em frente ao palco incrédulos
a olhar uns para os outros e a perguntarmo-nos como é que algo bateria aquele
concerto.
Pond - Whatever Happened to the Million Head Collide
Eventualmente lá começámos a andar, ainda contrariados,
para a ponta oposta do recinto onde dentro de cinco minutos começava o concerto
de Warpaint, no palco Heineken.
A assistência não era excessiva e isto notava-se por
estarem a tocar no maior palco do recinto e haver um espaço tão grande para
preencher – que ficou mesmo por preencher. Mas as meninas deram um concerto
sólido e com os seus cabelos das várias cores do arco-íris, encantaram quem lá
esteve. A música de que mais gostei foi mesmo ‘Love is to die’ por espelhar tão bem aquele momento. Bom concerto
sem dúvida, mas ainda há ali espaço para crescer e para, principalmente, se
habituarem aos grandes palcos e grandes audiências, para se abrirem um pouco
mais.
Fui obrigada a perder o final do concerto pois tive
que correr para Neutral Milk Hotel no
ATP. É verdade que este palco é bem
mais pequeno e o espaço para o público muito mais reduzido, mas o recinto
estava completamente atolado de pessoas que esperavam ansiosamente os NMH, que não desiludiram. Este é um
estilo muito particular de música folk que não tem necessariamente que ver com
as grandes guitarradas eléctricas e a distorção ou os sintetizadores. Este é um
género musical que tem tudo a ver com amor e com a energia positiva mais forte
que consigamos imaginar. É uma boa banda para ouvir em casa, mas é
definitivamente uma óptima banda para ver ao vivo. Sente-se aqui a voz da
experiência no contacto com o público, envolvendo-o no concerto e fazendo-o
sentir importante, num constante dar e receber entre os músicos e a audiência.
Deram tudo neste concerto, não deixaram nada por dizer e a atmosfera era de
alegria.
Foi aqui que me despedi dos ingleses, já que eles não
queriam ver QOTSA ou Arcade Fire. Peguei na minha mochila – ainda ligeiramente
húmida – e corri como uma menina pequenina e com a maior felicidade do mundo
para ir ver Josh Homme ao palco Heineken que, desta vez, estava
completamente cheio de pessoas.
O que tenho a dizer deste concerto: o John Homme é um grande músico, sem dúvida.
Aliás, um grande artista - não se prende apenas com a música mas também com
tudo o que a mesma envolve, design
dos álbuns, criação das performances,
etc. Mas é muito difícil uma GRANDE banda como esta não cair um pouco na
rotina. O concerto foi muito bom por um lado, mas muito previsível por outro - deram-nos
um ‘pack pré feito de QOTSA pronto para
ser distribuído a qualquer público do mundo, exactamente da mesma forma’ o
que me desiludiu um pouco. No entanto, claro, foi um grande espectáculo cheio
de ‘Fuck’s, riffs de guitarra, solos de bateria e mosh pits, que poucas bandas nos podem entregar da mesma forma. Se
há palavra que os descreva é sem dúvida ‘Badasses’
e isso ninguém lhes tira. Intercalaram as músicas do novo álbum com clássicos
como ‘No One Knows’, ‘Burn the Witch’, ‘Sick Sick Sick’ e ‘Go With
the Flow’, mostrando-se sempre muito unapologetic.
Queens of the Stone Age - No One Knows, live at Primvara Sound 2014
No momento em que o concerto acaba gera-se a confusão
total na luta pelo palco dos Arcade Fire
– o Sony, gémeo e oposto do Heineken.
Neste festival descobri que os meus 163cm não
representam a altura média de ninguém, nem de pessoas do sexo feminino. Todas
as pessoas, sem excepção, eram mais altas do que eu e nunca senti isto tanto
como em Arcade Fire. Estavam pelo
menos vinte homens à minha volta a tentar assassinar-me por cotovelada ao longo
do concerto. Mas também estava um senhor com cerca de 50 anos atrás de mim a
defender a minha honra e a dar cotoveladas de volta. Eu também dei algumas; às
vezes olhávamos um para o outro com orgulho, entre músicas. Também quase matei
um rapaz francês e uma rapariga espanhola que acharam o concerto de AF a melhor altura para tentarem
descobrir que língua haveriam de falar um com o outro – dez minutos do pior
francês que já ouvi na minha vida para tentar engatar um gajo qualquer que
nunca viste antes nem verás depois, enquanto eu tento ver uma das minhas bandas
preferidas ao vivo.
Mas voltando aos AF,
este foi o melhor concerto que vi na vida até àquele momento – isso iria mudar
dois dias mais tarde. Tocaram músicas do novo álbum, tocaram clássicos como a Rebellion (Lies), The Suburbs, Rococo, e muitos outros. Deram-nos tudo de si e mais
do que um concerto, foi um espectáculo. Com projecções de partes de filmes e de
vídeos, com efeitos visuais e jogos de luzes, espelhos e animação; sempre com
um forte sentido de presença. O que mais gosto nos Arcade Fire e aquilo com o qual mais me identifico é mesmo o facto
de serem tão sonhadores e de representarem, ainda hoje, aquela utopia
adolescente do ‘Podemos mudar o mundo com
a nossa música’ – é muito bonito e é emocional. Desperta em nós os melhores
sentimentos e a maior força para lutar contra tudo e todos pela mudança de
algo, de qualquer coisa. É bom encontrarmos uma banda, esporadicamente, que
mesmo sendo muito bem-sucedida não se move somente por dinheiro.
Terminaram com a ‘Wake Up’ – como tinha que ser – enquanto eram disparadas serpentinas
por cima das dezenas de milhares de pessoas que assistiam ao concerto. LINDO.
Arcade Fire - Wake Up, live at Primavera Sound 2014
Foi um concerto longo e acabei por perder Touché Amoré. Corri para Moderat – outra vez no ATP – que fizeram o público delirar com
o seu techno mais pesado e muito mais Modeselektor
que Apparat (as duas partes do
supergrupo). Já a meio da noite e completamente no escuro, trazem-nos um jogo
de luzes muito bem coordenado com a música e um espectáculo que não envolve de
todo carregar num botão qualquer do computador, mas sim mesas de mistura,
sintetizadores, e de facto alguma acção. Mostram-se muito abertos na relação
com o público que – como eu – já estão de pé há 12h e onde a energia já foi
substituída por apenas adrenalina.
Moderat - Rusty Nails & Bad Kingdom, live at Primavera Sound 2014
End of Vol. 1
Não percam as cenas dos próximos episódios, porque nós
também não.
Sixto Rodriguez, o homem que merece ter o mundo a seus pés.
A história de Sixto Rodriguez, talentoso músico que andou ‘perdido’ durante anos pelas ruas de Detroit, é daquelas que tem tudo para dar um filme. Neste caso deu em documentário.
Malik Bendjelloul, o realizador sueco que foi premiado com o Oscar de Melhor Documentário em 2013, pegou na maravilhosa história de vida de Sixto Rodriguez e acabou por dar (mais um) novo rumo à vida do americano.
Ídolo em meia parte do Mundo e desconhecido noutra, o “Sugar Man” (um dos nomes pelo qual é conhecido, devido a uma das suas músicas) é um caso raro, como conta o sul-africano Stephen Segerman, um dos seus mais fiéis admiradores.
Nasceu em Detroit mas foi na África do Sul, em pleno apartheid, que se tornou ídolo de uma geração. Nas ruas daquele país africano, Rodriguez era mais conhecido que os Beatles e tanto ou mais admirado que Elvis. Eram os seus discos que serviam de mote para muitas manifestações, principalmente junto da comunidade jovem. Num país fechado para o Mundo, viviam os maiores (e praticamente únicos) fãs do músico que trabalhava nas obras em Detroit, como conta o próprio.
Rodriguez é fascinante devido a uma curiosa e explosiva mistura: é um excepcional músico (os seus dois álbuns falam por si); é humilde sem deixar de reconhecer que tem talento; foi toda a vida um trabalhador e lutador, daqueles que fazem os trabalhos duros que ninguém quer fazer; existe um mistério enorme à volta da sua pessoa.
Sixto nunca enriqueceu com os milhares de discos vendidos na África do Sul, nunca soube, até ter recebido um telefonema de Stephen Segerman, que era um ídolo naquele longínquo país. E o mesmo se sucedia com os seus fãs sul africanos: ninguém sabia de Sixto, e a grande maioria pensava que este se tinha suicidado enquanto dava um concerto na América.
Resolvido o mistério para ambas as partes, o “Sugar Man” deu vários concertos (esgotados) na África do Sul e ganhou reconhecimento noutros países.
Para o espectador chega a ser frustrante ver como tudo podia perfeitamente ter levado outro rumo na vida do americano de Detroit. Como Sixto podia ter sido um dos mais bem sucedidos cantautores de sempre, na linha de Bob Dylan (como aliás é estrondosamente semelhante vocalmente), como podia ter uma enorme legião de fãs, como podia ser um ídolo mundial e não apenas um ídolo nacional sul africano. A história mudou a partir do momento em que Sixto soube da sua popularidade em África, mas a verdade é que parece que a corrente mudou demasiado tarde. Mesmo hoje, Rodriguez não é uma estrela, continua a viver no seu pequeno apartamento em Detroit e ainda é um homem simples e da terra onde nasceu. Sempre será. Talvez alguns homens não precisem de ser estrelas.
PS: Sixto Rodriguez lançou dois albuns completos (soube a pouco, o seu talento pedia muito mais). Fica aqui o seu primeiro, Cold Fact (lançado em 1970). O seu segundo e último álbum (Coming from Reality) foi lançado no ano seguinte.
O Fantástico Homem-Aranha 2 centra-se essencialmente na relação amorosa entre Peter Parker e Gwen Stacy e o fardo de ser uma figura importante no combate ao crime. Ser o Homem-Aranha gera problemas inevitáveis e Peter vive atormentado com um fantasma - a responsabilidade pelo bem-estar da namorada. Ao mesmo tempo que tenta manter Gwen longe de perigo, tem de olhar pelos cidadãos de Nova Iorque. Esta tarefa fica ainda mais complicada quando surge Electro - um individuo que se alimenta da electricidade e a utiliza para criar o caos - e regressa um velho amigo de infância, Harry Osborn. Com o surgimento de novos desafios, Parker começa a sentir as consequências e dissabores de ser um herói que tenta cuidar de todos ao mesmo tempo.
A sequela de O Fantástico Homem-Aranha é maior (com quase duas horas e meia de duração), um pouco mais confusa (devido à quantidade de sub-plots) e tem um pacing muito mais acelerado que o antecessor. O filme utiliza ainda um tom muito mais cheesy que explora muito bem o universo do Homem-Aranha. Até o toque do telemóvel de Peter Parker é extremamente familiar. Marc Webb aproveita o vasto mundo do Homem-Aranha para introduzir uma grande quantidade de referências, easter eggs e novos personagens, que deverão ser utilizados nos próximos filmes. Os fãs mais acérrimos vão delirar com algumas menções importantes que não foram esquecidas pelo realizador.
Analisando o elenco, a relação entre Andrew Garfield e Emma Stone continua espectacular e transmite veracidade face a certos acontecimentos do enredo. A cumplicidade única entre estes dois jovens é o ponto mais forte da história. Andrew voltou a demonstrar porque é o melhor Peter Parker até agora em Hollywood e um dos actores mais acarinhados pelo público. Apesar de o filme ter uma veia mais cómica, Dane DeHaan confere um tom especialmente obscuro com a interpretação de Harry Osborn e deixa no ar sempre a ideia que as coisas podem rapidamente correr para o torto. Jamie Foxx faz o que pode para gostarmos de Electro. Contudo, o problema não está na origem do personagem mas sim nos motivos para desencadear o caos na cidade de Nova Iorque. As causas são cómicas e isso retira a credibilidade toda ao vilão.
A nível técnico, O Fantástico Homem-Aranha 2 sofreu algumas mudanças. Marc Webb aposta essencialmente no slow-mo durante os confrontos e em efeitos especiais aliciantes para surpreender o espectador. A fotografia foi um pouco descartada e perdeu o encanto do primeiro filme. Na composição musical, Hans Zimmer ocupa o lugar de Horner mas não deslumbra.
O novo filme de Marc Webb desenvolve muito bem as consequências de ser o Homem-Aranha e quando está prestes a perder o ritmo, aproveita a cumplicidade e o sentimento de Andrew Garfield e Emma Stone para "dar sumo" ao enredo. Esta sequela tem ainda mais valor para os fãs que devoram as BD's do aracnídeo. Incorpora diversas histórias importantes de Peter Parker e utiliza a Oscorp de uma forma inteligente para explicar a criação dos inimigos planeados para os próximos filmes.
Grand Budapest Hotel centra-se essencialmente nas aventuras inacreditáveis de Gustave H., um concierge muito famoso do fabuloso Grande Budapest Hotel localizado na República fícticia de Zubrowka, e o seu melhor amigo e fiel companheiro, Zero Moustafa.
O rigor técnico, como a utilização excessiva da simetria, o vestuário, as cores alegres e os cenários magníficos, transportam-nos imediatamente para o mundo de Wes Anderson. É um deleite e um privilégio poder assistir a algo tão bem trabalhado. O enredo simples e frenético aliado à banda sonora genial de Alexandre Desplat, fazem o espectador suplicar por mais. Existe tanta coisa para explorar e é uma pena ter apenas 100 minutos de duração.
A ousadia de Ralph Fiennes - que interpreta Gustave - combina perfeitamente com a ingenuidade de Tony Revolori (Moustafa) e resulta em peripécias hilariantes. O vasto elenco transmite uma alegria contagiante e está repleto de nomes sonantes: Tilda Swinton, Edward Norton, Adrien Brody, Willem Dafoe, Harvey Keitel, Jeff Goldblum e ainda o incontornável Bill Murray são apenas algumas figuras que podemos encontrar nesta longa-metragem.Uma característica já habitual nos filmes de Anderson.
Grand Budapest Hotel é um filme especial repleto de cameos brilhantes e diálogos rápidos como uma bala. Este segundo factor torna o filme, por vezes, difícil de acompanhar porque o ritmo demasiado acelerado acaba por nos fazer perder detalhes e pontos-chave do enredo. Contudo, os personagens memoráveis e a cinematografia brilhante de Wes Anderson convidam-nos a entrar neste mundo mágico onde a imaginação não tem limites. Uma obra mais que recomendada para os fãs deste realizador.
A estrutura coesa e lógica para explicar a ordem dos acontecimentos tornam a mais recente adaptação das aventuras de Steve Rogers, para o grande ecrã, no projecto mais coeso da Marvel até à data.
Após os eventos dos Vingadores, a S.H.I.E.LD começou a tornar-se numa enorme rede de segurança e a tentar anteceder os próximos ataques terroristas no mundo. Um dos agentes mais importantes deste organismo é Steve Rogers - também conhecido como Capitão América - que tenta conciliar o tempo travar ameaças mundiais e a tentar perceber tudo aquilo que perdeu, maioritariamente a nível cultural, desde que foi congelado. Existe um ambiente de insegurança muito patente na S.H.I.E.L.D sobre decisões estratégicas para proteger a população. Esta tensão política culmina numa conspiração enorme quando surge um soldado com um braço biónico - Soldado de Inverno - que tem a tarefa de eliminar certos alvos estratégicos e testa o verdadeiro propósito desta organização.
Esqueçam, por momentos, que este é um filme sobre super-heróis. Os irmãos Russo, os dois realizadores do filme, conseguiram tornar o Capitão América num dos heróis mais interessantes da Marvel através de guião interessante que explora o passado do personagem e permite introduzir uma fornada de personagens novos no universo de Stan Lee.
Alternando acção frenética (com pouca utilização de CGI e um foco maior na luta corpo a corpo) com uma abordagem de eventos reais - como a queda do império Nazi - o filme consegue ainda ter tempo para explicar os motivos de cada um dos personagens e construir uma teia de sequências que menciona diversas identidades conhecidas (Banner, Doctor Strange, Tony Stark).
As actuações são do que se podia esperar num filme deste género. Não existe muito pano para mangas mas Chris Evans prova mais uma vez que tem o carisma necessário para agarrar o papel. A química com Scarlett Johansson, está melhor que nunca e nota-se um ambiente descontraído que favorece o desenvolvimento do filme. Os novos personagens são óptimos e integram-se perfeitamente no argumento. Com propósitos distintos, cada um dos novos nomes, tem hipóteses de demonstrar porquê é que foram escolhidos. O vilão é um autêntico "badass" com um look futurista e apresenta um desafio real à força sobre-humana de Steve Rogers. É o inimigo mais interessante nos filmes da Marvel até agora e que permite aprofundar uma série de eventos paralelos. Arrisco-me a afirmar que é melhor que Loki e é claramente o que faltava num filme deste calibre.
Esta longa-metragem não deve ser encarada como apenas mais um filme de super-heróis. Trata-se de uma sequela que supera em todos os aspectos o antecessor e insere-se no ramo de thriller político e de espionagem. Por esta razão, Capitão América - O Soldado de Inverno é um filme mais que recomendado não só para os fãs de super-heróis como para todos os que apreciam uma história de espiões digna dos anos 80.
Wall Street é um retrato engenhoso que tenta explicar como funciona a bolsa de valores e o impacto das alterações monetárias no mundo.
Oliver Stone apresenta-nos a história de Bud Fox, um jovem corretor de bolsa bastante ambicioso, que trabalha numa firma em Nova Iorque. Cansado de viver à custa dos outros e sedento de poder, Budd está sempre a procura de uma oportunidade nova para subir na vida. Quando este conhece Gordon Gekko - um corretor de crédito implacável a tomar decisões arriscadas - percebe que terá de esquecer as regras de bom senso e tentar apanhar todo o tipo de informações ilegais que conseguir.
O realizador capturou de forma quase perfeita o conflito de valores presente na deliberação dos negócios e as implicações legais e ilegais da bolsa. O filme demonstra as consequências de determinadas fusões empresariais e a forma como isso condiciona diversos agentes - as empresas, os contribuintes, os bancos e a quantidade de comissões que cada corretor da bolsa recebe.
A vibe excessiva de 1980, a presença de Martin e Charlie Sheen - como pai e filho - que resulta em diversos problemas morais, a actuação fria, imperativa e manipuladora de Michael Douglas, a incorporação de computadores com o Sistema Operativo DOS na firma de Bud e outras inovações informáticas da época (um dos pequenos detalhes mais interessantes) e uma panóplia de técnicas financeiras, tornam Wall Street numa longa-metragem obrigatória para perceber como funcionam os bastidores do mercado mundial.
Blood Red Shoes (2014) - Metade elogio à banda, Metade crítica ao novo álbum
Descobri
os Blood Red Shoes cedo, assim que
eles lançaram o seu álbum de estreia, Box of Secrets, em 2008 e fiquei
estupefacta. Eu tinha 17 anos e andava a procurar novas bandas de rock
alternativo, quando descubro uma banda cheia de som e agressividade com apenas
dois membros que, pela sua abordagem à música, só podiam ser britânicos.
Faziam-me lembrar duos como os White
Stripes, com uma diferença significativa. Para mim a bateria é essencial em
qualquer género musical e algo que sempre me desiludiu nos White Stripes foi a genialidade do Jack White aleada à fraca habilidade rítmica da sua ex-mulher (que
tanto insistem em dizer que é irmã) Meg
White. Nos BRS há, sem dúvida,
um equilíbrio muito maior entre os dois membros e o contributo dos dois é
essencial.
Sempre
gostei deles porque vejo ali uma entrega total à música, são das poucas bandas
que conheço do género que não associo imediatamente a drogas e álcool – tenho a
certeza que elas andam lá, mas não é esse o elemento que se destaca.
As
suas músicas remetem-nos para uma sonoridade algo punk-rock e garage rock
associada aos anos 60 e 70, e revitalizada nos anos 90 e início do século. ADHD,
do seu primeiro álbum, é ainda hoje uma das minhas músicas preferidas e resume
tudo o que os BRS representam: rock
puro, cheio de riffs tão bem defendidos
pela guitarra de Laura-Mary Carter (que
aparece sempre nos concertos com uma blusa dos Led Zeppelin, rapariga inteligente) e uma bateria agressiva e
completamente ‘unapologetic’ pelas
mãos de Steven Ansell. Há ali um
constante ‘Estás a ouvir-me? Eu estou
aqui.’ impossível de ignorar, muito menos quando os vemos ao vivo, onde a
energia atinge o expoente da loucura, como diria o Manel Cruz. Vi-os em 2010, no Santiago
Alquimista e admito que é um dos melhores palcos para os ver. Eles têm
talento para palcos maiores, sem dúvida, e potência suficiente para se
defenderem bem contra um público de dezenas de milhares. Mas há algo na energia
de uma sala como a do SantiagoAlquimista que é difícil de reproduzir
noutros locais.
Blood Red Shoes - ADHD ao vivo, Santiago Alquimista, 2010
Mas
foquemo-nos então no novo álbum, o homónimo “Blood Red Shoes”, lançado
no início do mês. Este é um álbum complexo por estar claramente dividido em
duas partes – tem 12 faixas e está ‘partido’ exactamente ao meio. Quando o comecei
a ouvir entrei em êxtase pois as primeiras 6 faixas remetem-nos para o melhor
de BRS. Os tais riffs de guitarra, a distorção, os beats de bateria que, quer queiramos ou não, puxam por nós. Existe
ali uma clara influência do tal garage
rock e são músicas como “Everything All At Once”, "An Animal" e“The Perfect Mess” (as duas últimas, os dois singles do álbum) que nos fazem comentar
o facto de não existir nenhuma banda exactamente como os BRS. É bom e é refrescante o facto de termos aqui um rock mais puro
e sem tanta influência de sintetizadores e 97 programas de edição. O que sobra
é puro e tem carisma, tem intenção: voltar às origens, voltar ao rock. Esta é
uma primeira parte cheia de energia e marca uma posição.
Blood Red Shoes -The Perfect Mess
É
também nesta primeira parte do álbum que eles colocam uma música que nos faz
mudar de ritmo e meter os travões. “Far Away” é mais melódica e a letra
ganha aqui um impacto que não sentimos tanto nas músicas que acima referi, por
estarmos demasiado distraídos pela genialidade dos riffs e da bateria. Esta é uma faixa importante no álbum pois é um
exemplo claro que uma música pode ser mais melódica e atractiva comercialmente
sem, no entanto, cair nos ritmos e refrões demasiado repetitivos. É mais
comercial, sim, mas continua relevante e inovadora.
E
para mim, o álbum podia terminar aqui, ficava curto mas bom. É sempre mau
quando metade do álbum não tem grande qualidade, mas quando é a segunda metade
é ainda pior, pois é suposto haver uma evolução, consistência no alinhamento e
um clímax mais para o final, o que aqui definitivamente não acontece.
Toda
a pujança e agressividade inicial acabam por se perder algures entre as últimas
6 faixas. Os ritmos tornam-se cada vez mais repetitivos, simples e afáveis, como
se a banda tivesse ficado com medo de alguma coisa. Acho que para quem ouve o
álbum, o sentimento geral é de confusão.
No
entanto, “Speech Coma” ainda tem réstias da primeira parte do álbum e as
qualidades do costume andam por lá. Vale a pena ouvir. Já “Cigarettes in The Dark”
e “Tightwire”, que encerram o álbum,
para mim são pura e simplesmente de ignorar. Não quero ser demasiado dramática,
e aconselho vivamente que oiçam o álbum na sua totalidade e que cheguem às
vossas próprias conclusões. Mas eu já o ouvi – todo – seis ou sete vezes e a
minha opinião ainda é a inicial.
Blood Red Shoes - Speech Coma
Dito
isto, esta é uma excelente banda e tem, sem dúvida, um lugar muito próprio na
cena musical. Pode não nos tocar a alma como Pink Floyd faria, mas transmite-nos
energia e irreverência e é uma semente do rock e da direcção em que devíamos seguir.
É uma lufada de ar fresco cheia de energia e intenção, que nos lembra que,
muitas vezes, precisamos de mais agressividade e fogo nas nossas vidas.
Collateral é um dos filmes mais cativantes do novo milénio. Michael Mann, o realizador da "enorme" película Heat - Cidade Sob Pressão (1995), voltou a deixar-me de queixo caído.
Max (Jamie Foxx) é um taxista trabalhador e solitário que está habituado ao ambiente nocturno de Los Angeles. Contudo a meio de uma noite aparentemente calma, o destino de Max cruza-se com Vincent (Tom Cruise), um assassino profissional que tem de completar uma série de homicídios num determinado tempo. Envolvido numa situação de sequestro, Max é obrigado a conduzir por L.A enquanto Vincent vai eliminado os alvos descritos num contrato.
Com uma premissa relativamente simples, o filme torna-se numa reflexão filosófica sobre o acto de matar. Jamie Foxx (no papel de Max) representa o cidadão comum envolvido numa situação de terror/emoções fortes que tem de agir logicamente num curto espaço de tempo. Não há muito tempo para pensar nestas situações. Com medo de morrer a qualquer instante, Max limita-se a conduzir enquanto vai pensando numa forma de fugir. Contudo, é extremamente interessante e curiosa a forma como Vincent "obriga" o taxista a conduzi-lo pela noite. Este assassino não é o típico hitman que estamos habituados a encontrar no cinema. É muito mais que isso. À medida que o filme avança, discutem-se questões morais sobre a vida e a morte com a utilização de metáforas e passagens poéticas. Metade das perguntas não têm uma resposta certa mas permitem que Max aprenda a lei da sobrevivência mesmo que isso implique sair da zona de conforto.
Uma cena do filme utilizada para descrever Vincent
Vincent (Tom Cruise) é extremamente paradoxal: Mata sem pensar duas vezes mas possui determinadas regras/condutas que o tornam num personagem brilhante e interessante. Quem diria que este actor poderia efectuar na perfeição o papel de vilão? A construção psicológica e o estilo da personagem - cabelo grisalho, fato de negócios, atitude calma - aliados à actuação de Tom Cruise tornam Vincent num dos anti-heróis mais intrigantes dentro deste género. Fiquei completamente rendido.
Como a maioria do filme se passa durante a noite, o realizador aproveita a oportunidade para explorar a beleza do ambiente nocturno de Los Angeles. Os planos magníficos da cidade dos Anjos são acompanhados por uma banda sonora de luxo que mistura soul, jazz e música eletrónica. Sublime.
O diálogo inteligente, a grande actuação de Tom Cruise como um sociopata, o enredo cativante que intercala diversas histórias paralelas, tornam Collateral noutra grande experiência cinematográfica de Michael Mann.
Começo por dizer que foi muito difícil escolher
três ou quatro bandas sobre as quais falar dentro do inacreditável cartaz do Primavera Sound Festival 2014, que terá
lugar a 29, 30 e 31 de Maio em Barcelona.
Decidi, à partida, deixar de lado os nomes mais sonantes como Arcade Fire, Queens of the Stone Age, The
National, Nine Inch Nailsand so on, centrando-me nas bandas mais
recentes e que ainda “frescas”, sentem necessidade de vir acrescentar algo de
novo à cena musical; nas bandas que estão na fase do “arriscar” por não terem
nada a perder. Não quero dizer, com isto, que as bandas mais experientes do
festival já não arrisquem ou já não inovem, mas há aqui uma sede diferente. Do
que sobrou, atirei ao ar e saíram estas.
Muitas vezes, quando oiço o terceiro, quarto,
quinto álbum de uma banda, dou por mim a pensar como gostava que todos os
álbuns fossem como o seu primeiro, quando a sua música espelhava a falta receio,
a vontade de arriscar, a necessidade de acrescentar algo de novo e de se
provarem como uma força a ser reconhecida. Deparamo-nos, normalmente, com três
tipos de fenómenos.
No primeiro,
a banda fica conhecida por ter uma certa sonoridade com a qual teve imenso
sucesso e acaba por vir bater na mesma tecla, uma e outra vez, por saber que
essa fórmula resulta, mas perdendo todo o elemento surpresa ou até mesmo
qualquer faceta criativa. No segundo,
tudo o que a banda tinha para dizer ficou dito no primeiro ou segundo álbum, já
não há nada a acrescentar e o que sobra é uma tentativa frustrada de continuar
a falar sem se ter nada para dizer – fenómeno Arctic Monkeys: já sei que vou ferir susceptibilidades, mas o Alex anda mais preocupado em parecer o James Dean do que em fazer boa música e
o resultado é falta de qualidade. Não só perderam o que tinham de melhor: a
bateria – deve ter desaparecido porque deixei de a ouvir – como não existe
réstia de originalidade no AM e mais valia estarem quietos. Acreditem, eu gosto
bastante de Arctic Monkeys, mas isto
no tempo de Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not (2006) e de Favourite
Worst Nightmare (2007), quando podiam não ser génios musicais, mas
ainda acrescentavam algo de novo com a sua música. No terceiro tipo, a banda encontra de facto a sua voz e consegue
continuar a lançar álbuns consistentes, inovadores e cheios de vontade de
arriscar e enveredar por caminhos novos, em alguns casos mesmo ao fim de
décadas – e disto são exemplos muitos dos cabeça de cartaz deste festival. É
nisso que o Primavera se destaca,
tanto em Barcelona como no Porto, assim como o festival Vodafone Paredes de Coura na Praia Fluvial do Tabuão: ambos apostam
constantemente em bandas inovadoras, umas mais conhecidas que outras, não
querendo saber se são mais ou menos comerciais, desde que venham acrescentar algo
ao cartaz, desde que sejam diferentes e criativas.
No caso de Warpaint,
Temples, The War on drugs, Moderat
- bandas nas quais me foco hoje - não vamos tentar prever se vieram mesmo para
ficar ou como serão os próximos álbuns, se vão eventualmente cair na primeira,
segunda ou terceira categoria. Vamos apenas olhar para elas como bandas
criativas que se esforçam por fazer boa música e que chegam cheias de força,
fazendo delas algumas das grandes apostas do Primavera Sound Festival 2014.
Warpaint
As Warpaint
são um quarteto feminino de Los Angeles, Califórnia, que lança o seu primeiro EP,
Exquisite
Corpse, em 2008 e o seu primeiro álbum, The Fool, em 2010. Este
tem grande aclamação crítica, dando imediatamente estatuto à banda pelo seu
rock atmosférico centrado na bateria (inicialmente Shannyn Sossanon e mais tarde Stella
Mozgawa) – destaco Set Your Arms Down - e no baixo (Jenny Lee Lindberg). São também de
destacar os vocais e guitarra (que chegam até nós, ambos, pelas mãos e vozes de
Emily Kokal e Theresa Wayman). As letras deste primeiro álbum centram-se
constantemente no sexo oposto e na sua relação com o mesmo (ou a falta dela) –
tanto Undertow, o primeiro single
do álbum, como Shadows, Composure (onde ficamos logo
hipnotizados pelos back vocals assim
que a música começa) ou Baby (a música mais melódica do
álbum) são exemplos claros disto. Aqui os vocais aliciantes são a linha
condutora, num estilo muito introvertido e tímido. Mas não se iludam, esta não
é uma banda de rapariguinhas tontas e apaixonadas que nos trazem música sem
significado e com o mesmo riff de
guitarra em modo loop durante 20
minutos. Esta é uma banda que nos transporta para uma realidade paralela etérea
e nostálgica, que nos faz sentir bem e confortáveis, tão simples quanto isso.
Dito isto, passaram-se mais de 3 anos até ao
lançamento do segundo álbum, o homónimo Warpaint e a expectativa era muita. O
resultado é, sem dúvida, um álbum consistente e que vem acrescentar, não
repetir. O baixo ganha ainda mais relevância e a atmosfera geral é mais leve,
muitos fazem referência à influência do trip-hop.
Este é um álbum diferente que perde ou ganha, dependendo da perspectiva, mas
que sem dúvida evolui – não há uma agressividade tão grande nas músicas e a
introspecção é ainda maior, o minimalismo ganha peso, assim como os
sintetizadores (esta parece ser uma escolha geral recentemente – criatividade
ou moda?). Destaco o single Love is to Die, que foi bastante
aclamado, e Hi, ambas músicas que incorporam a essência do álbum. Já um
pouco fora do ambiente criado em Warpaint, aparece Disco//Very,
que destaco por dar complexidade ao álbum e apimentar um bocado as coisas.
Esta é uma banda relativamente recente e que ainda
só possui dois álbuns no seu repertório, mas que já nos trouxe várias coisas
diferentes e interessantes, estou curiosa em que apostarão a seguir. Uma coisa
é certa, boa aposta para o cartaz.
Warpaint - Disco//Very
Temples
Cada vez que oiço Temples só consigo sorrir e sentir-me bem-disposta. A banda
britânica de rock psicadélico, formada em 2012, é frequentemente associada aos
australianos Tame Impala e aos,
também australianos, Pond. E tenho
que fazer aqui uma pequena nota e perguntar, o que se passa com estas pessoas e
o cabelo encaracolado gigante? É o vocalista dos Temples, é o guitarrista/baixista dos Pond, é o vocalista dos Wolfmother,
será que fazem parte de uma irmandade secreta? Também posso?
Anyway, em 2013 os Temples lançam o seu álbum de estreia Sun
Structures com críticas bastante positivas conseguindo, até, os elogios
de Johnny Marr e Noel Gallagher (o segundo
surpreendeu-me bastante, já que os únicos elogios que normalmente faz são à sua
pessoa e ao facto dos Oasis serem,
segundo defende, a melhor banda desde os Beatles).
Mas voltanto aos Temples, tanto a
banda em si, como as suas músicas, têm uma energia muito positiva e todo o
álbum é uma celebração da vida e do espírito. A música Ankh remete-nos para o
símbolo egípcio alusivo à vida eterna e na primeira música do álbum, Shelter
Song, James Bagshaw (vocais
e guitarra) canta-nos “Take me away to
the Twilight Zone”, para que estejamos cientes do que nos vamos meter ao
ouvir o resto do álbum.
Os ritmos psicadélicos e dançáveis estão presentes
em todo o álbum e a presença da bateria e do teclado são óbvios, assim como dos
sintetizadores (mais uma vez). Destaco a Keep in the Dark, uma das pérolas do
álbum, assim como a Colours to Life.
Há no álbum uma homenagem aos anos 60 e aos tempos
do Woodstock que merece ir sendo
relembrado não só por quem lá esteve, mas pelas bandas que vão aparecendo e é
nesse sentido que, me parece, aparecem músicas como a Test of Time.
Todas estas novas bandas – Temples, Tame Impala, Pond – têm relevância na cena musical
actual e são importantes pois vêm revitalizar e reforçar o género do rock psicadélico
que não só traz alegria à nossa vida como também, imagino, aumenta a venda de
ácidos.
Temples - Keep in the Dark
The War on
Drugs
The War on
Drugs é
uma banda americana de indie rock, com
fortes influências de folk, formada em
2005 e que tem já sob a sua tutela dois álbuns Wagonwheel Blues (2008) e
Slave
Ambient (2011); o terceiro, Lost in the Dream, deverá ser
lançado a 18 de Março deste ano. A banda foi formada por dois fãs de Bob Dylan - Adam Granduciel e Kurt Vile
(que entretanto deixou a banda) - e essa influência está bem presente em ambos
os álbuns.
Como não podia deixar de ser numa banda inspirada
por Dylan, estão presentes as
guitarras tanto acústicas como eléctricas, o teclado e a harmónica. Até a voz
de Granduciel (vocalista da banda)
nos remete para a voz e para o tom de Dylan,
mas em jeito de homenagem, não te imitação – as músicas da banda assentam numa
base muito própria e indiscutível. Destaco aqui a música Brothers, do segundo
álbum da banda, onde se compreende bem o que acabei de apontar.
Ambos os álbuns nos
fazem sentir como se estivéssemos numa constante “road-trip” com as janelas do carro abertas e o sol e o vento a
baterem-nos na cara, fazendo-nos, ao mesmo tempo, pensar em temas nos quais não
pensaríamos normalmente (mais uma vez, uma característica também presente no
estilo de música de Dylan) – “And your god is only a catapult waiting for
the right time to let you go / Into the unknown / Just to watch you hold your
breath / Yeah and surrender your fortress / And your thoughts will tumble like
rocks do / Over the valleys of factory oceans”, Arms Like Boulders.
Há em The War on Drugs uma honestidade que não
existe noutras bandas, pelo elemento do “singer
songwriter” e do interesse puro pela música e pelas letras, sem grandes
floreados nem distorções electrónicas.
O seu objectivo não são as massas ou a comercialização, mas sim a defesa das
suas ideias, tão bem demarcadas nas suas letras – “they’d arranged for the bitter man to take them away / fell in line
with the racketeers / from head to toe”, Comin’ Through.
Do novo álbum já
temos o primeiro single, Red
Eyes, onde somos imediatamente confrontados com tudo o que a banda
representa: indie rock, folk, road-trip, guitarras, honestidade e ideias fortes. Venha Março e
venha o álbum.
The War on Drugs - Red Eyes
Moderat
Tenho que admitir que os Moderat
não deviam estar aqui, porque de “fresco” não têm muito, são músicos bastante
experientes e é um projecto que existe desde 2002. MAS, não podia não ter Moderat na minha lista e para além
disso, o primeiro álbum só foi lançado em 2009 e isso conta como recente...?
Os Moderat, mais do que uma banda, são uma
colaboração - alemã -, que começou em Berlim, entre o Sascha Ring (mais conhecido como Apparat) e o Gernot Bronsert
e o Sebastian Szary (mais conhecidos
como Modeselektor). Daí o nome, Modeselektor + Apparat = Moderat. E
deixem-me que vos diga, os alemães sabem o que andam a fazer e são bastante
criativos.
Em todos estes
projectos o género é o electrónico e o uso de sintetizadores é levado ao
extremo, mas existem diferenças. O Apparat,
como projecto a solo, está mais virado para o ambient e é muito mais melódico; segundo o mesmo, cada vez está
mais “interessado em criar sons e não batidas”. Já os Modeselektor, têm um som muito mais agressivo e virado para o
techno, onde as batidas são mesmo o essencial. Outra diferença fulcral é que
o Apparat usa, normalmente, voz; os Modeselektor não.
Estes são três indivíduos
com bastante talento e criatividade, com mérito próprio tanto individualmente
como em grupo. No entanto, na minha opinião, dos três projectos, o melhor é
mesmo Moderat, pois existe um equilíbrio
na sonoridade que só consegue ser alcançado pelos três. Para além disso, vejo e
oiço nos álbuns de Moderat, o
primeiro homónimo, de 2009, e o segundo “II”, de 2013, uma mensagem muito
mais nítida do que nos projectos individuais. Disso são claros exemplos “Rusty
Nails”, do primeiro e “Let in the Light” e “Damage
Done” do segundo. E para finalizar, tenho que destacar a “Versions”,
por ser um marco essencial do repertório dos Moderat.
São músicas que
mexem com os nossos sentimentos e que despertam em nós as mais íntimas certezas.
Este é um dos meus projectos preferidos e aguardo ansiosamente qualquer novo EP
ou álbum e, sem dúvida, aguardo ansiosamente o concerto dia 29 de Maio.
Moderat - Versions
Isto é só a ponta do iceberg, podia continuar indefinidamente pois, para além destas,
existem dezenas de bandas para as quais deveríamos olhar dentro do grande
cartaz do Primavera Sound. Temos no
cartaz um pouco de tudo – géneros de música diferentes, amplitudes diferentes,
níveis diferentes de experiência, há de tudo um pouco. Aquilo que têm em comum?
Qualidade, criatividade, sede pela inovação e amor pela música, tanto entre as
bandas como entre o público. Este é um grande festival, que fez grandes apostas
em grandes bandas.
Jack Ryan, outrora uma saga de sucesso em Hollywood nos anos 90, com os famosos filmes Caça ao Outubro Vermelho e Jogos de Poder, é a mais recente vítima do fenómeno Reboot que se instalou na indústria cinematográfica nos últimos anos.
Nesta nova adaptação, um dos acontecimentos mais chocantes dos últimos anos, o 11 de Setembro, acompanha a evolução deste agente secreto até à actualidade. Disfarçado como um corrector da Bolsa e influenciado fortemente pela CIA, Jack Ryan tem de encontrar movimentos monetários irregulares no mercado das acções. Ryan descobre uma transacção suspeita que leva à descoberta de um ataque terrorista iminente.
Aproveitando a ideologia da guerra fria, a eterna disputa entre o Capitalismo e o Comunismo, a narrativa tira proveito da grande tensão que existia entre as duas super-potências e cria um enredo previsível que mais uma vez, mantém a tendência dos Russos como os maus da fita em Hollywood.
Dois anos após o lançamento de Se7en, David Fincher volta a pregar-nos às cadeiras com o mirabolante The Game (O Jogo). Tal como é costume neste realizador, somos apresentados a um mundo que desafia a nossa sanidade mental e nos deixa sem fôlego à medida que a realidade vai ficando cada vez mais distorcida.
Nicholas Van Orton, é um milionário atormentado pela solidão. Quando completa 48 anos, o seu irmão Conrad ,(Sean Penn) decide trazer um pouco de luxúria e animação, oferecendo um cartão de uma empresa - Consumer Recreation Services - que organiza um jogo obscuro criado à medida dos participantes e que não tem qualquer tipo de regras. Céptico e sem saber onde se estava a meter, Nicholas decide entrar neste jogo doentio e vê a sua vida pacata, a ser invadida com fenómenos estranhos e um pouco macabros. Sem conseguir distinguir o que é real do que é ficção, Nicholas vê-se preso num esquema que controla tudo e todos.
Fincher capta a nossa atenção logo nos primeiros dez minutos do filme ao acelerar a história para o ponto principal. Esta estratégia impede que o espectador desvie o olhar do ecrã durante uns breves segundos porque pode perder informação crucial para entender o enredo.
Tal como Nicholas, nós também somos engolidos naquele misto de realidade e ficção, e a nossa mente começa-nos a pregar algumas partidas. Será que aquela cena foi real? Ou foi só um sonho?
Sem conseguirmos distinguir a validade e a lógica das coisas, damos por nós presos no Jogo e temos de ir juntando as peças para perceber como é que se pode invalidar este esquema tal como o personagem principal do filme.
Este sentimento de incerteza que, aos poucos, vai invadindo a mente do espectador, é agravado e explorado pela actuação surpreendente de Michael Douglas. Calmo por natureza e um pouco fora do seu domínio, Douglas surpreende no papel do milionário e alcança o papel de uma carreira. A sanidade mental do actor é fortemente posta à prova e isso permite alcançar várias camadas psicológicas do personagem: ironia, desespero, medo e a violência. À medida que o Jogo avança, Nicholas sofre uma grande transformação.
Tal como já é habitual, David Fincher opta por uma realização brilhante que foca o plano no personagem principal e dá ênfase a pequenos pormenores que existem no background, proporcionando a ideia de desordem e que um determinado objecto vai ter de ser utilizado mais a frente no Jogo. É uma estratégia simples mas que funciona na perfeição porque, após uma segunda visualização, percebemos detalhes que nos podiam ter ajudado a resolver o quebra-cabeças.
A música de Howard Shore (conhecido pela fantástica banda sonora da trilogia Senhor dos Anéis e vencedor de três Óscares) é subtil, confusa e só serve para nos desorientar ainda mais a cabeça. Sempre inquietante, acompanha o desenrolar dos acontecimentos e ajuda a instaurar o pânico nos momentos mais importantes.
Esta é uma longa-metragem que passa ao lado de muita gente - por ser um dos trabalhos iniciais do realizador - mas que merece a vossa atenção e acaba por ser surpreendente. É um thriller mais que recomendado.
Posto isto, desafio-vos a entrarem na mente preversa de David Fincher e a experimentarem este cenário paranóico...