quarta-feira, 18 de junho de 2014

[Música] Diários de Uma Adolescente - Primavera Sound Festival Vol. 1



Diários de Uma Adolescente - Primavera Sound Festival Vol. 1

                Começo por sublinhar que o Primavera Sound Festival em Barcelona não é um simples festival de música, mas uma experiência que, sozinha, mudará certamente a vossa vida. Todas as nossas experiências ganham uma dimensão diferente como consequência do peso que lhe damos, como é óbvio. E a forma como encaramos o nosso dia-a-dia influencia tudo pelo que passamos e até mesmo o tipo de pessoas em que nos tornamos. Uma tese que defendo e sempre defendi prende-se, por um lado, à importância da música nas nossas vidas e, por outro, à irrelevância da nossa capacidade de decorar informação inútil durante uma ou duas semanas, para termos seja que nota for, num exame qualquer do 11º ano.
                Li algures: ‘we learned more from a three minute record than we ever learned in school’ e embora isso seja claramente um exagero, tem algo que se lhe diga. Neste momento, existem 196 países no mundo, demasiados territórios desconhecidos e mais de sete biliões de pessoas – como é que podemos, algum dia, estar satisfeitos com o conhecimento que temos; como é que podemos, algum dia, parar de procurar, de descobrir novas coisas? Existem tantos sítios para ver, tantas pessoas para conhecer, tantas novas aventuras para experienciar. O segredo do crescimento pessoal está nas ligações e essas só acontecem se sairmos da nossa zona de conforto e se partirmos à descoberta. Mas nada disso está directamente ligado à nota do exame ou até mesmo à licenciatura que acabámos por fazer, por um motivo ou por outro. Tudo isso se prende com o que fizemos, APESAR da nota que tivemos ou do curso que frequentámos. 
                Foi com este espírito que comprei o passe para o Primavera Sound, mesmo sabendo que não tinha companhia e que iria sozinha. Não sou de grandes planeamentos e, dito isto, com o hostel marcado apenas uma semana antes, parto para Barcelona com duas linhas de apontamentos sobre que linha de metro apanhar para chegar ao recinto do festival, e pouco mais. Já no aeroporto lá vou ver a morada do hostel e apanho o autocarro. Perco-me no metro, arranho no espanhol para pedir indicações e mal ou bem lá chego ao sítio certo, onde são todos muito simpáticos e me dão todas as indicações que preciso – e que não preciso – sobre Barcelona e sobre o Primavera.
                Vou cedo para o recinto e nos primeiros cinco minutos conheço dois ingleses de Manchester que acabam por passar comigo grande parte dos quatro dias que se seguem – achei irónico como vou de Inglaterra para Espanha conhecer ingleses, mas este são dois ingleses muito peculiares.
                O primeiro dia é só warm-up e tem apenas um palco, o que significa que temos três horas para ‘matar’ com uma garrafa de vodka e conversas sobre o Hendrix e o Bukowski pseudo alert. Perto das 19h lá vamos para o melhor palco do recinto – o ATP – ver Temples à chuva. Pouco me lembro deste concerto, mas sei que gostei e que os australianos, apesar de frescos, estavam cheios de energia e preparados para abrir o grande Primavera. Também sei que quando o concerto acabou tinha todos os meus pertences – roupa, sapatos, mochila, livro, mp3, telemóvel, carteira – completamente encharcados, como aliás ficariam nas próximas 48h.
                Sendo o primeiro dia, grande parte dos concertos aconteciam espalhados pela cidade em diversas salas de espectáculo – sendo esse o caso de The Brian Jonestown Massacre na Sala Apolo, que estava fora de questão perder. Apanhámos o metro, perdemo-nos, saímos na estação errada, andámos meia hora a pé, encontrámos finalmente o teatro e o que nos esperava era uma fila enorme de pessoas que pareciam tão entusiasmadas como nós para ver o concerto, pelo que tínhamos concorrência pesada para a luta pelos poucos lugares dentro da sala. Esperámos à chuva durante cerca de mais trinta minutos, o que se provou frutífero, já que não só conseguimos entrar mas, surpreendentemente, chegar mesmo à primeira fila. Este foi um dos melhores concertos que assisti no Primavera e a atmosfera era, apenas, de amor. Recomendo esta banda inspirada tanto pelo guitarrista dos Rolling Stones – daí o nome – como pelo shoegaze, pelo seu longo historial e, muito, pelo seu último álbum - já deste ano - ‘Revelation’.

                      Dia 2
                 Passei parte da manhã do segundo dia do festival – quinta-feira, dia 29 de Maio – com um secador de cabelo nas mãos a tentar salvar tanto o meu telemóvel como o meu livro, já que para a mochila e sapatos não havia esperança alguma.
                   Encontrei um café onde vendiam comida feita com alimentos orgânicos e foi onde parei – mais pelo bom aspecto do que pela promessa do conservative free. Os portugueses não enganam ninguém e quando a rapariga me perguntou o que queria comer respondi com um sorriso e com um ‘És portuguesa, certo?’ – era. E era muito simpática, falou-me um bocadinho sobre a vida em Barcelona, que parece ser uma cidade que muitos adoram tanto na perspectiva de turista como mesmo para passar grande parte da vida. É uma cidade que tem mesmo de tudo um pouco, como Londres tem – música, teatro, cinema, pintura, arquitectura, cultura de todo o mundo trazida tanto pelos turistas como pelos próprios imigrantes – com o acrescento do sol e da boa comida.
               Planeio os concertos do dia e sigo para o recinto, onde me espera - o que eu achava ser – o melhor dia do festival, com um line up inacreditável: Follakzoid, POND, Warpaint, Neutral Milk Hotel, Queens of the Stone Age, Arcade Fire, Touché Amoré e Moderat .


                O primeiro concerto a que assisti foi, então, o dos Follakzoid onde o baixista chileno me fascinou. Foi um bom concerto e todos eles se dedicaram ao mesmo, apesar de um público um pouco fraco, tanto em número como em entusiasmo; no entanto, foi sem dúvida o baixista que me chamou a atenção. Antes de mais, lembrava-me demasiado um corvo, e depois estava claramente sob o efeito de ácidos, a sentir a música mais do que qualquer outra pessoa – à excepção de um senhor inglês com cerca de 50 anos que tinha um copo de whiskey na mão e dançava feliz com a mão no ar enquanto gritava ‘LET’S GOOOOO!’ a cada dois minutos. Não foi dos melhores concertos, mas foi um bom início para a noite que aí vinha.
                      Ainda tínhamos algum tempo livre antes de POND e acabámos a ver Rodrigo Amarante no palco Ray-Ban (o melhor sítio para estar ao pôr-do-sol, já que é em forma de anfiteatro e mesmo colado ao mar – lindo). Rodrigo Amarante - guitarrista, baixista, vocalista e compositor brasileiro - trouxe literalmente a casa abaixo com as suas músicas. O público estava a delirar com o seu concerto e com a sua oscilação entre a guitarra e o piano, enquanto cantava músicas com letras lindas e que fizeram o meu queixo cair no chão várias vezes, enquanto tentava explicar o seu significado aos rapazes de Manchester, comentando a pena que tinha em que não percebessem o que ele cantava.  
                  Enquanto o sol caía, partimos para POND – palco Pitchfork - onde os australianos trouxeram a casa abaixo, num sentido completamente diferente. Foi um concerto cheio de pujança e de riffs alucinantes de guitarra, no seu estilo tão próprio de rock psicadélico (e mais uma vez, ácidos.). Nick Allbrook é uma das pessoas mais peculiares, tanto fisicamente, como pela sua voz ou comportamento - aparece com a cara pintada de branco e com um ar alucinado, pronto para nos dar o melhor concerto de sempre. Esteve lá perto. Adorei honestamente este concerto e o único ponto decepcionante foi mesmo a duração – apenas 50 minutos de concerto, que nos pareceram 10. Ficámos tão perplexos pela curta duração que ainda ficámos uns bons cinco minutos em frente ao palco incrédulos a olhar uns para os outros e a perguntarmo-nos como é que algo bateria aquele concerto.

 
Pond - Whatever Happened to the Million Head Collide

                    Eventualmente lá começámos a andar, ainda contrariados, para a ponta oposta do recinto onde dentro de cinco minutos começava o concerto de Warpaint, no palco Heineken.
                   A assistência não era excessiva e isto notava-se por estarem a tocar no maior palco do recinto e haver um espaço tão grande para preencher – que ficou mesmo por preencher. Mas as meninas deram um concerto sólido e com os seus cabelos das várias cores do arco-íris, encantaram quem lá esteve. A música de que mais gostei foi mesmo ‘Love is to die’ por espelhar tão bem aquele momento. Bom concerto sem dúvida, mas ainda há ali espaço para crescer e para, principalmente, se habituarem aos grandes palcos e grandes audiências, para se abrirem um pouco mais.
                Fui obrigada a perder o final do concerto pois tive que correr para Neutral Milk Hotel no ATP. É verdade que este palco é bem mais pequeno e o espaço para o público muito mais reduzido, mas o recinto estava completamente atolado de pessoas que esperavam ansiosamente os NMH, que não desiludiram. Este é um estilo muito particular de música folk que não tem necessariamente que ver com as grandes guitarradas eléctricas e a distorção ou os sintetizadores. Este é um género musical que tem tudo a ver com amor e com a energia positiva mais forte que consigamos imaginar. É uma boa banda para ouvir em casa, mas é definitivamente uma óptima banda para ver ao vivo. Sente-se aqui a voz da experiência no contacto com o público, envolvendo-o no concerto e fazendo-o sentir importante, num constante dar e receber entre os músicos e a audiência. Deram tudo neste concerto, não deixaram nada por dizer e a atmosfera era de alegria.
              Foi aqui que me despedi dos ingleses, já que eles não queriam ver QOTSA ou Arcade Fire. Peguei na minha mochila – ainda ligeiramente húmida – e corri como uma menina pequenina e com a maior felicidade do mundo para ir ver Josh Homme ao palco Heineken que, desta vez, estava completamente cheio de pessoas.
                 O que tenho a dizer deste concerto: o John Homme é um grande músico, sem dúvida. Aliás, um grande artista - não se prende apenas com a música mas também com tudo o que a mesma envolve, design dos álbuns, criação das performances, etc. Mas é muito difícil uma GRANDE banda como esta não cair um pouco na rotina. O concerto foi muito bom por um lado, mas muito previsível por outro - deram-nos um ‘pack pré feito de QOTSA pronto para ser distribuído a qualquer público do mundo, exactamente da mesma forma’ o que me desiludiu um pouco. No entanto, claro, foi um grande espectáculo cheio de ‘Fuck’s, riffs de guitarra, solos de bateria e mosh pits, que poucas bandas nos podem entregar da mesma forma. Se há palavra que os descreva é sem dúvida ‘Badasses’ e isso ninguém lhes tira. Intercalaram as músicas do novo álbum com clássicos como ‘No One Knows’, ‘Burn the Witch’, ‘Sick Sick Sick’ e ‘Go With the Flow’, mostrando-se sempre muito unapologetic.

 Queens of the Stone Age - No One Knows, live at Primvara Sound 2014

                    No momento em que o concerto acaba gera-se a confusão total na luta pelo palco dos Arcade Fire – o Sony, gémeo e oposto do Heineken.
                  Neste festival descobri que os meus 163cm não representam a altura média de ninguém, nem de pessoas do sexo feminino. Todas as pessoas, sem excepção, eram mais altas do que eu e nunca senti isto tanto como em Arcade Fire. Estavam pelo menos vinte homens à minha volta a tentar assassinar-me por cotovelada ao longo do concerto. Mas também estava um senhor com cerca de 50 anos atrás de mim a defender a minha honra e a dar cotoveladas de volta. Eu também dei algumas; às vezes olhávamos um para o outro com orgulho, entre músicas. Também quase matei um rapaz francês e uma rapariga espanhola que acharam o concerto de AF a melhor altura para tentarem descobrir que língua haveriam de falar um com o outro – dez minutos do pior francês que já ouvi na minha vida para tentar engatar um gajo qualquer que nunca viste antes nem verás depois, enquanto eu tento ver uma das minhas bandas preferidas ao vivo.
            Mas voltando aos AF, este foi o melhor concerto que vi na vida até àquele momento – isso iria mudar dois dias mais tarde. Tocaram músicas do novo álbum, tocaram clássicos como a Rebellion (Lies), The Suburbs, Rococo, e muitos outros. Deram-nos tudo de si e mais do que um concerto, foi um espectáculo. Com projecções de partes de filmes e de vídeos, com efeitos visuais e jogos de luzes, espelhos e animação; sempre com um forte sentido de presença. O que mais gosto nos Arcade Fire e aquilo com o qual mais me identifico é mesmo o facto de serem tão sonhadores e de representarem, ainda hoje, aquela utopia adolescente do ‘Podemos mudar o mundo com a nossa música’ – é muito bonito e é emocional. Desperta em nós os melhores sentimentos e a maior força para lutar contra tudo e todos pela mudança de algo, de qualquer coisa. É bom encontrarmos uma banda, esporadicamente, que mesmo sendo muito bem-sucedida não se move somente por dinheiro.
             Terminaram com a ‘Wake Up’ – como tinha que ser – enquanto eram disparadas serpentinas por cima das dezenas de milhares de pessoas que assistiam ao concerto. LINDO.

Arcade Fire - Wake Up, live at Primavera Sound 2014

             Foi um concerto longo e acabei por perder Touché Amoré. Corri para Moderat – outra vez no ATP – que fizeram o público delirar com o seu techno mais pesado e muito mais Modeselektor que Apparat (as duas partes do supergrupo). Já a meio da noite e completamente no escuro, trazem-nos um jogo de luzes muito bem coordenado com a música e um espectáculo que não envolve de todo carregar num botão qualquer do computador, mas sim mesas de mistura, sintetizadores, e de facto alguma acção. Mostram-se muito abertos na relação com o público que – como eu – já estão de pé há 12h e onde a energia já foi substituída por apenas adrenalina.

 Moderat - Rusty Nails & Bad Kingdom, live at Primavera Sound 2014


           End of Vol. 1
           Não percam as cenas dos próximos episódios, porque nós também não.