Diários de Uma Adolescente - Primavera Sound Festival Vol. 1
Começo
por sublinhar que o Primavera Sound
Festival em Barcelona não é um simples festival de música, mas uma
experiência que, sozinha, mudará certamente a vossa vida. Todas as nossas
experiências ganham uma dimensão diferente como consequência do peso que lhe
damos, como é óbvio. E a forma como encaramos o nosso dia-a-dia influencia tudo
pelo que passamos e até mesmo o tipo de pessoas em que nos tornamos. Uma tese
que defendo e sempre defendi prende-se, por um lado, à importância da música
nas nossas vidas e, por outro, à irrelevância da nossa capacidade de decorar
informação inútil durante uma ou duas semanas, para termos seja que nota for,
num exame qualquer do 11º ano.
Li
algures: ‘we learned more from a three
minute record than we ever learned in school’ e embora isso seja claramente
um exagero, tem algo que se lhe diga. Neste momento, existem 196 países no
mundo, demasiados territórios desconhecidos e mais de sete biliões de pessoas –
como é que podemos, algum dia, estar satisfeitos com o conhecimento que temos;
como é que podemos, algum dia, parar de procurar, de descobrir novas coisas?
Existem tantos sítios para ver, tantas pessoas para conhecer, tantas novas
aventuras para experienciar. O segredo do crescimento pessoal está nas ligações
e essas só acontecem se sairmos da nossa zona de conforto e se partirmos à
descoberta. Mas nada disso está directamente ligado à nota do exame ou até mesmo à licenciatura que acabámos por fazer, por um motivo ou por outro. Tudo isso se prende com o que fizemos, APESAR da nota que tivemos ou do curso que frequentámos.
Foi
com este espírito que comprei o passe para o Primavera Sound, mesmo sabendo que não tinha companhia e que iria
sozinha. Não sou de grandes planeamentos e, dito isto, com o hostel marcado apenas uma semana antes,
parto para Barcelona com duas linhas de apontamentos sobre que linha de metro
apanhar para chegar ao recinto do festival, e pouco mais. Já no aeroporto lá
vou ver a morada do hostel e apanho o
autocarro. Perco-me no metro, arranho no espanhol para pedir indicações e mal
ou bem lá chego ao sítio certo, onde são todos muito simpáticos e me dão todas
as indicações que preciso – e que não preciso – sobre Barcelona e sobre o Primavera.
Vou
cedo para o recinto e nos primeiros cinco minutos conheço dois ingleses de Manchester
que acabam por passar comigo grande parte dos quatro dias que se seguem – achei
irónico como vou de Inglaterra para Espanha conhecer ingleses, mas este são
dois ingleses muito peculiares.
O
primeiro dia é só warm-up e tem
apenas um palco, o que significa que temos três horas para ‘matar’ com uma
garrafa de vodka e conversas sobre o Hendrix
e o Bukowski – pseudo alert. Perto das 19h lá vamos para o melhor palco do recinto
– o ATP – ver Temples à chuva. Pouco me lembro deste concerto, mas sei que gostei
e que os australianos, apesar de frescos, estavam cheios de energia e preparados
para abrir o grande Primavera.
Também sei que quando o concerto acabou tinha todos os meus pertences – roupa,
sapatos, mochila, livro, mp3, telemóvel, carteira – completamente encharcados,
como aliás ficariam nas próximas 48h.
Sendo
o primeiro dia, grande parte dos concertos aconteciam espalhados pela cidade em
diversas salas de espectáculo – sendo esse o caso de The Brian Jonestown Massacre na Sala Apolo, que estava fora de questão perder. Apanhámos o metro,
perdemo-nos, saímos na estação errada, andámos meia hora a pé, encontrámos
finalmente o teatro e o que nos esperava era uma fila enorme de pessoas que
pareciam tão entusiasmadas como nós para ver o concerto, pelo que tínhamos
concorrência pesada para a luta pelos poucos lugares dentro da sala. Esperámos
à chuva durante cerca de mais trinta minutos, o que se provou frutífero, já que
não só conseguimos entrar mas, surpreendentemente, chegar mesmo à primeira
fila. Este foi um dos melhores concertos que assisti no Primavera e a atmosfera era, apenas, de amor. Recomendo esta banda
inspirada tanto pelo guitarrista dos Rolling
Stones – daí o nome – como pelo shoegaze,
pelo seu longo historial e, muito, pelo seu último álbum - já deste ano - ‘Revelation’.
Dia 2
Passei parte da manhã do segundo dia do festival –
quinta-feira, dia 29 de Maio – com um secador de cabelo nas mãos a tentar
salvar tanto o meu telemóvel como o meu livro, já que para a mochila e sapatos
não havia esperança alguma.
Encontrei um café onde vendiam comida feita
com alimentos orgânicos e foi onde parei – mais pelo bom aspecto do que pela
promessa do conservative free. Os
portugueses não enganam ninguém e quando a rapariga me perguntou o que queria
comer respondi com um sorriso e com um ‘És
portuguesa, certo?’ – era. E era muito simpática, falou-me um bocadinho
sobre a vida em Barcelona, que parece ser uma cidade que muitos adoram tanto na
perspectiva de turista como mesmo para passar grande parte da vida. É uma
cidade que tem mesmo de tudo um pouco, como Londres tem – música, teatro,
cinema, pintura, arquitectura, cultura de todo o mundo trazida tanto pelos turistas
como pelos próprios imigrantes – com o acrescento do sol e da boa comida.
Planeio os concertos do dia e sigo para o recinto,
onde me espera - o que eu achava ser – o melhor dia do festival, com um line up inacreditável: Follakzoid, POND, Warpaint, Neutral Milk Hotel, Queens of the Stone Age, Arcade Fire, Touché Amoré e Moderat .
O primeiro concerto a que assisti foi, então, o dos Follakzoid onde o baixista chileno me
fascinou. Foi um bom concerto e todos eles se dedicaram ao mesmo, apesar de um
público um pouco fraco, tanto em número como em entusiasmo; no entanto, foi sem
dúvida o baixista que me chamou a atenção. Antes de mais, lembrava-me demasiado
um corvo, e depois estava claramente sob o efeito de ácidos, a sentir a música mais
do que qualquer outra pessoa – à excepção de um senhor inglês com cerca de 50
anos que tinha um copo de whiskey na mão e dançava feliz com a mão no ar
enquanto gritava ‘LET’S GOOOOO!’ a
cada dois minutos. Não foi dos melhores concertos, mas foi um bom início para a
noite que aí vinha.
Ainda tínhamos algum tempo livre antes de POND e acabámos a ver Rodrigo Amarante no palco Ray-Ban (o melhor sítio para estar ao
pôr-do-sol, já que é em forma de anfiteatro e mesmo colado ao mar – lindo). Rodrigo Amarante - guitarrista, baixista,
vocalista e compositor brasileiro - trouxe literalmente a casa abaixo com as
suas músicas. O público estava a delirar com o seu concerto e com a sua
oscilação entre a guitarra e o piano, enquanto cantava músicas com letras
lindas e que fizeram o meu queixo cair no chão várias vezes, enquanto tentava explicar
o seu significado aos rapazes de Manchester, comentando a pena que tinha em que
não percebessem o que ele cantava.
Enquanto o sol caía, partimos para POND – palco Pitchfork - onde os australianos trouxeram a casa abaixo, num
sentido completamente diferente. Foi um concerto cheio de pujança e de riffs alucinantes de guitarra, no seu
estilo tão próprio de rock psicadélico
(e mais uma vez, ácidos.). Nick Allbrook
é uma das pessoas mais peculiares, tanto fisicamente, como pela sua voz ou
comportamento - aparece com a cara pintada de branco e com um ar alucinado,
pronto para nos dar o melhor concerto de sempre. Esteve lá perto. Adorei
honestamente este concerto e o único ponto decepcionante foi mesmo a duração –
apenas 50 minutos de concerto, que nos pareceram 10. Ficámos tão perplexos pela
curta duração que ainda ficámos uns bons cinco minutos em frente ao palco incrédulos
a olhar uns para os outros e a perguntarmo-nos como é que algo bateria aquele
concerto.
Pond - Whatever Happened to the Million Head Collide
Eventualmente lá começámos a andar, ainda contrariados,
para a ponta oposta do recinto onde dentro de cinco minutos começava o concerto
de Warpaint, no palco Heineken.
A assistência não era excessiva e isto notava-se por
estarem a tocar no maior palco do recinto e haver um espaço tão grande para
preencher – que ficou mesmo por preencher. Mas as meninas deram um concerto
sólido e com os seus cabelos das várias cores do arco-íris, encantaram quem lá
esteve. A música de que mais gostei foi mesmo ‘Love is to die’ por espelhar tão bem aquele momento. Bom concerto
sem dúvida, mas ainda há ali espaço para crescer e para, principalmente, se
habituarem aos grandes palcos e grandes audiências, para se abrirem um pouco
mais.
Fui obrigada a perder o final do concerto pois tive
que correr para Neutral Milk Hotel no
ATP. É verdade que este palco é bem
mais pequeno e o espaço para o público muito mais reduzido, mas o recinto
estava completamente atolado de pessoas que esperavam ansiosamente os NMH, que não desiludiram. Este é um
estilo muito particular de música folk que não tem necessariamente que ver com
as grandes guitarradas eléctricas e a distorção ou os sintetizadores. Este é um
género musical que tem tudo a ver com amor e com a energia positiva mais forte
que consigamos imaginar. É uma boa banda para ouvir em casa, mas é
definitivamente uma óptima banda para ver ao vivo. Sente-se aqui a voz da
experiência no contacto com o público, envolvendo-o no concerto e fazendo-o
sentir importante, num constante dar e receber entre os músicos e a audiência.
Deram tudo neste concerto, não deixaram nada por dizer e a atmosfera era de
alegria.
Foi aqui que me despedi dos ingleses, já que eles não
queriam ver QOTSA ou Arcade Fire. Peguei na minha mochila – ainda ligeiramente
húmida – e corri como uma menina pequenina e com a maior felicidade do mundo
para ir ver Josh Homme ao palco Heineken que, desta vez, estava
completamente cheio de pessoas.
O que tenho a dizer deste concerto: o John Homme é um grande músico, sem dúvida.
Aliás, um grande artista - não se prende apenas com a música mas também com
tudo o que a mesma envolve, design
dos álbuns, criação das performances,
etc. Mas é muito difícil uma GRANDE banda como esta não cair um pouco na
rotina. O concerto foi muito bom por um lado, mas muito previsível por outro - deram-nos
um ‘pack pré feito de QOTSA pronto para
ser distribuído a qualquer público do mundo, exactamente da mesma forma’ o
que me desiludiu um pouco. No entanto, claro, foi um grande espectáculo cheio
de ‘Fuck’s, riffs de guitarra, solos de bateria e mosh pits, que poucas bandas nos podem entregar da mesma forma. Se
há palavra que os descreva é sem dúvida ‘Badasses’
e isso ninguém lhes tira. Intercalaram as músicas do novo álbum com clássicos
como ‘No One Knows’, ‘Burn the Witch’, ‘Sick Sick Sick’ e ‘Go With
the Flow’, mostrando-se sempre muito unapologetic.
Queens of the Stone Age - No One Knows, live at Primvara Sound 2014
No momento em que o concerto acaba gera-se a confusão
total na luta pelo palco dos Arcade Fire
– o Sony, gémeo e oposto do Heineken.
Neste festival descobri que os meus 163cm não
representam a altura média de ninguém, nem de pessoas do sexo feminino. Todas
as pessoas, sem excepção, eram mais altas do que eu e nunca senti isto tanto
como em Arcade Fire. Estavam pelo
menos vinte homens à minha volta a tentar assassinar-me por cotovelada ao longo
do concerto. Mas também estava um senhor com cerca de 50 anos atrás de mim a
defender a minha honra e a dar cotoveladas de volta. Eu também dei algumas; às
vezes olhávamos um para o outro com orgulho, entre músicas. Também quase matei
um rapaz francês e uma rapariga espanhola que acharam o concerto de AF a melhor altura para tentarem
descobrir que língua haveriam de falar um com o outro – dez minutos do pior
francês que já ouvi na minha vida para tentar engatar um gajo qualquer que
nunca viste antes nem verás depois, enquanto eu tento ver uma das minhas bandas
preferidas ao vivo.
Mas voltando aos AF,
este foi o melhor concerto que vi na vida até àquele momento – isso iria mudar
dois dias mais tarde. Tocaram músicas do novo álbum, tocaram clássicos como a Rebellion (Lies), The Suburbs, Rococo, e muitos outros. Deram-nos tudo de si e mais
do que um concerto, foi um espectáculo. Com projecções de partes de filmes e de
vídeos, com efeitos visuais e jogos de luzes, espelhos e animação; sempre com
um forte sentido de presença. O que mais gosto nos Arcade Fire e aquilo com o qual mais me identifico é mesmo o facto
de serem tão sonhadores e de representarem, ainda hoje, aquela utopia
adolescente do ‘Podemos mudar o mundo com
a nossa música’ – é muito bonito e é emocional. Desperta em nós os melhores
sentimentos e a maior força para lutar contra tudo e todos pela mudança de
algo, de qualquer coisa. É bom encontrarmos uma banda, esporadicamente, que
mesmo sendo muito bem-sucedida não se move somente por dinheiro.
Terminaram com a ‘Wake Up’ – como tinha que ser – enquanto eram disparadas serpentinas
por cima das dezenas de milhares de pessoas que assistiam ao concerto. LINDO.
Arcade Fire - Wake Up, live at Primavera Sound 2014
Foi um concerto longo e acabei por perder Touché Amoré. Corri para Moderat – outra vez no ATP – que fizeram o público delirar com
o seu techno mais pesado e muito mais Modeselektor
que Apparat (as duas partes do
supergrupo). Já a meio da noite e completamente no escuro, trazem-nos um jogo
de luzes muito bem coordenado com a música e um espectáculo que não envolve de
todo carregar num botão qualquer do computador, mas sim mesas de mistura,
sintetizadores, e de facto alguma acção. Mostram-se muito abertos na relação
com o público que – como eu – já estão de pé há 12h e onde a energia já foi
substituída por apenas adrenalina.
End of Vol. 1
Não percam as cenas dos próximos episódios, porque nós
também não.
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