domingo, 25 de janeiro de 2015

[Filme] Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance) (2014)

Uma conquista técnica sem paralelo.

Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance) conta-nos a história decadente de Riggan Thomson, um actor que ficou famoso após interpretar o famoso super-herói Birdman em três êxitos de bilheteira, que tenta relançar a carreira ao produzir uma peça - adaptada da obra de Raymond Carver - para a Broadway. Em plena véspera de estreia, o actor cai numa luta constante contra si mesmo e todos os que o rodeiam.

Alejandro González Iñárritu consegue captar na perfeição a tormenta existencial que assombra a mente de Thomson através da filmagem numa espécie de shot contínuo personalizada (já utilizada em vários filmes, com especial destaque para Rope de Hitchcock) em que a câmara acompanha todos os movimentos dos actores e parece ter vida própria - a supra-citada técnica referida em inúmeras páginas da internet. 

Esta técnica aliada aos toques incessantes de uma bateria incansável dão vida ao St James Theater e ao ambiente sujo e frenético de Nova Iorque. Os diálogos são maioritariamente um pedaço de genialidade que fazem referências constantes à própria indústria cinematográfica e outros pequenos detalhes do quotidiano e moldam, através de várias deixas, a personalidade de cada um dos actores presentes na fita. Birdman possui ainda uma aura difícil de explicar e alterna constantemente entre o real e o ficcional, tornando-se num exercício de concentração para o próprio espectador. 

No campo das interpretações temos o privilégio de assistir ao renascer de Michael Keaton que agarra com uma força invisível o papel de Riggan e tenta, também o próprio actor, relançar o seu nome nos livros de Hollywood, exactamente como o personagem do filme. A carreira de Keaton está inexplicavelmente ligada às decisões que Riggan tomou no passado (é como se o Inãrritu tivesse feito um argumento de raiz para Michael, visto que o actor interpretou a personagem Batman há mais de dez anos no grande ecrã, o que acentua bastante a vertente meta presente nesta longa-metragem). O elenco é ainda composto por vários nomes sonantes como Emma Stone, Zach Galifianakis e o sempre entusiasmante e vibrante Edward Norton que, por pouco, não rouba o protagonismo a Keaton.

Birdman é uma crítica mordaz, uma sátira negra e incessante que desafia a própria sanidade dos espectadores testando constantemente a nossa percepção do real e do imaginário. É, sem dúvida, um dos filmes mais genuínos dos últimos anos e que inevitavelmente acaba por cair na própria loucura de Riggan.

8,5/10

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

[FILME] High Fidelity (2000)


Será fácil descrever High Fidelity como a história de Rob Gordon (John Cusack), o dono de uma loja de discos que é obcecado por fazer listas que variam desde o top 5 do final de relações que o magoaram até ao seu top de discos preferidos. Posto isto, é realmente simples explicar do que se trata durante quase duas horas: música e relações amorosas, um homem que tenta entender porque correram mal as coisas e percebe que por viver demasiado tempo a tentar explicar o passado nunca encarou o futuro ou até o presente. Um homem que enfrenta uma crise dos 30 ou, como é referido por uma das personagens, uma “crise existencial”.

O facto do filme não se pegar ao óbvio de ser apenas uma longa-metragem sobre música, bandas, os meus e os teus discos preferidos, torna-o diferente, bonito e mais real do que um fantasioso School of Rock (onde há em comum Jack Black, que é nesta película um dos empregados da loja de discos de Rob, a Championship Vinyl). Aqui discutem-se problemas e pensamentos que afectam o homem comum ao mesmo tempo que se argumenta se é aceitável ouvir Belle and Sebastian.


Como seria expectável, um dos pontos mais agradáveis de High Fidelity é a sua banda sonora romântica, alegre, melancólica e até pesada em alguns momentos. Ouvimos The Velvet Underground, Bob Dylan, Al Green, Peter Frampton, uma recém-nascida banda de dois rapazes skaters que costumavam roubar discos na loja de Rob e até, como não poderia deixar de ser, Jack Black, que interpreta Let's Get It On, do falecido Marvin Gaye.

John Cusack é uma grande e óbvia escolha para o papel. Simples e honesto com a câmara (está constantemente a dirigir-se ao espectador), facilmente nos faz sentir uma ligação com o seu personagem, seja por nos identificarmos com ele como um ser perdido no meio da sua própria vida, por sentirmos pena pelos seus sucessivos fracassos amorosos ou até por acharmos que Rob tem um gosto musical fantástico.

Em suma, High Fidelity não cai num buraco demasiado lamechas com uma banda sonora fofinha, sendo que consegue ser bastante agradável e leve. Não é muito profundo nem levanta grandes questões mas nem me parece que fosse esse o objectivo. A apontar um público-alvo para este filme escolheria qualquer pessoa que, estando ou não sozinha/deprimida/dumped, sabe que precisa de boa música e de um ambiente culturalmente rico para poder ser. High Fidelity está dentro desse ambiente. 

8/10

domingo, 11 de janeiro de 2015

[FILME] Boyhood: Momentos de Uma Vida (2014)



Em Boyhood, Richard Linklater trouxe-nos o que de melhor sabe: contar histórias aparentemente simples sobre pessoas normais. E é nisso que o director norte-americano é um dos melhores da actualidade, no storytelling encantador e envolvente que proporciona ao espectador. Linklater provou mais uma vez ser perito em relatar o simples, embora isso não seja sinónimo de fácil.

Boyhood: Momentos de uma Vida acompanha o crescimento do jovem Mason (Ellar Coltrane) ao longo de 12 anos que vão desde problemas familiares como as sucessivas separações da mãe e afastamento do pai às constantes mudanças de casa e ao culminar da adolescência com a descoberta do álcool, drogas, namoradas e receios para o futuro.


Apesar de ser, como já referido muitas vezes pelas críticas mais duras, um filme com uma dose enorme de cultura americana (como seria expectável logo pela sua premissa), Boyhood consegue ser imparcial, demonstrar o bom e o mau, sendo que isso não afasta as cenas mais forçadas, ou menos naturais do filme, como o facto de se querer fortemente estereotipar o “avô” do sul (pai da namorada do pai) que vive no campo e oferece uma espingarda como prenda de aniversário ou a mulher do senhor que oferece uma bíblia a Mason.

A cena em que a mãe de Mason, protagonizada exemplarmente por Patricia Arquette, tem uma crise quando vê o filho arrumar as coisas antes de partir para uma nova etapa da sua vida (universidade), é assustadoramente real e talvez uma das melhores do filme, que vale pelo seu todo. Esta cena é importante porque exibe uma mãe frustrada com a sua vida e faz-nos questionar, ao mesmo tempo que nos alerta para, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, o facto do filme não contar só a história de um rapaz ao longo de mais de uma década mas a evolução, as alegrias e desilusões de uma família bastante real, uma mãe orgulhosa dos seus filhos mas desmotivada por não ter feito mais por si, uma irmã que passa por diversas fases (como são exemplificadas pelos diferentes penteados) e, claro, sem esquecer um pai que procura a felicidade em diversos locais e tenta manter a sua relação com os filhos.


Não são só quase 3 horas sobre a infância ou sobre a adolescência, o que temos aqui é uma reflexão e uma viagem sobre os acontecimentos que marcam a existência da maioria, acompanhada por uma banda sonora a condizer.
Boyhood é a história de muitos, a minha história, a tua história. Uma longa-metragem cujo maior propósito parece-me ser o de querer estar próximo das pessoas, e creio que o consegue. Começamos o filme e num click passam quase três horas. Não acontece o mesmo com a vida?

9/10